ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Artigo Original Albuquerque et al. Polimorfismo Ser49Gly na insuficiência cardíaca Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):616-624 Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é atualmente a principal causa de internação por doenças do sistema circulatório no Sistema Único de Saúde (SUS): foram 202 mil pacientes hospitalizados em 2018 com custo de 311 milhões de reais. 1 A estratégia atual com parâmetros clínicos, laboratoriais e de imagem para prever seu prognóstico é limitada. Sua história natural é imprevisível mesmo em pacientes fenotipicamente semelhantes. O arsenal terapêutico é capaz de reduzir a sua mortalidade em até 60%, 2 mas a resposta a esses fármacos é heterogênea. Foi demonstrado que a natureza genética contribui para essa variabilidade. 3–5 Na fisiopatologia da IC, o papel do sistema nervoso simpático (SNS) está bem estabelecido. O receptor cardíaco beta-adrenérgico do tipo 1 (R β 1) é a principal estrutura responsável por mediar os efeitos da epinefrina. A estimulação sustentada desse sistema determinará múltiplos efeitos deletérios, 3 destacando-se a cardiotoxicidade. 6 Assim, foram descritas algumas variantes genéticas que modificavam a atividade desse receptor. Um polimorfismo genético (PG) foi identificado na posição 145 do nucleotídio que resultava em substituição da serina por glicina na posição 49 do aminoácido – o PG Ser49Gly do R β 1(PG‑R β 1‑Ser49Gly). 7 O PG-R β 1-Ser49Gly foi associado a uma interferência dramática na função do R β 1. O alelo Gly determinou maior redução no seu número ( down-regulation ) quando comparado ao alelo Ser. 6,7 Na IC, pela exposição contínua à epinefrina, essa disfunção poderia ser clinicamente relevante. Na prática, essa mutação genética determinaria uma dessensibilização com um interessante bloqueio adrenérgico intrínseco. 8 Assim, no contexto da IC, tivemos algumas publicações analisando o PG-R β 1-Ser49Gly em cenários como: risco de IC, 3,9‑11 resposta a betabloqueador, 6,12 desfechos ecocardiográficos, 13 capacidade funcional, 14 arritmia cardíaca 10,15 e desfechos clínicos. 7,16,17 Esses estudos compartilham um baixo Abstract Background: The role of Ser49Gly beta1-adrenergic receptor genetic polymorphism (ADBR1-GP-Ser49Gly) as a predictor of death in heart failure (HF) is not established for the Brazilian population. Objectives: To evaluate the association between ADBR1-GP-Ser49Gly and clinical outcomes in individuals with HF with reduced ejection fraction. Methods: Secondary analysis of medical records of 178 patients and genotypes of GPR β 1-Ser49Gly variants, classified as Ser-Ser, Ser-Gly and Gly-Gly. To evaluate their association with clinical outcome. A significance level of 5% was adopted. Results: Cohort means were: clinical follow-up 6.7 years, age 63.5 years, 64.6% of men and 55.1% of whites. HF etiologies were predominantly ischemic (31.5%), idiopathic (23.6%) and hypertensive (15.7%). The genetic profile was distributed as follows: 122 Ser-Ser (68.5%), 52 Ser‑Gly (28.7%) and 5 Gly-Gly (2.8%). There was a significant association between these genotypes and mean NYHA functional class at the end of follow-up (p = 0.014) with Gly-Gly being associated with less advanced NYHA. In relation to the clinical outcomes, there was a significant association (p = 0.026) between mortality and GPR β 1-Ser49Gly: the number of deaths in patients with Ser-Gly (12) or Gly-Gly (1) was lower than in those with Ser-Ser (54). The Gly allele had an independent protective effect maintained after multivariate analysis and was associated with a reduction of 63% in the risk of death (p = 0.03; Odds Ratio 0.37 – CI 0.15–0.91). Conclusion: The presence of β 1-AR-GP Gly-Gly was associated with better clinical outcome evaluated by NYHA functional class and was a predictor of lower risk of mortality, regardless of other factors, in a 6.7-year of follow-up. (Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):616-624) Keywords: Heart Failure/mortality;Epidemiology; Polymorfism, Geetic; Receptors,Adreneic, beta; cardiovascular Dieases; Hospitalization; Epinephrine/therapeutic use; Cardiotoxicity Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br número de pacientes e apresentam alguns achados divergentes. Em geral, o alelo Gly foi associado a uma melhor evolução clínica; 7,17 no entanto, observou-se uma potencial influência da etnia sobre esses genótipos, invertendo esse comportamento benigno em algumas populações. 9 Por essas razões, o papel desse genótipo permanece em aberto. Portanto, é fundamental a análise do comportamento desse PG em uma população brasileira com características étnicas próprias, a fim de estabelecer o padrão desse PG para essa população aumentando a nossa (pequena) base de dados de genética atual. 10,16 Este trabalho tem como objetivo avaliar a relação entre os genótipos do Ser49Gly e desfechos clínicos maiores, tais como internação por IC e óbito em indivíduos com IC com fração de ejeção reduzida. Métodos Delineamento do estudo Estudo longitudinal de uma coorte de pacientes. Coletou‑se informação do prontuário médico entre janeiro de 2015 e dezembro de 2018, desde o início do seu acompanhamento. Todos foram atendidos na mesma clínica de IC de um hospital universitário. População do estudo Trata-se de uma série de casos acompanhados por 6,7 anos, sendo incluídos de forma consecutiva 178 pacientes (113 homens e 65 mulheres) com diagnóstico de IC com fração de ejeção reduzida, caracterizando-se uma amostra por conveniência. Critérios de inclusão Pacientes com mais de 18 anos de idade, com IC sintomática (definida pelos Critérios de Framingham), disfunção ventricular sistólica e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 50% no ecocardiograma bidimensional. 617

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