Cem Anos da História da Cardiologia no Brasil 

Continuação

 

Na área de fonocardiografia, ninguém mais que Nélson Botelho Reis, no Rio de Janeiro, destacou-se tanto, influenciando toda uma geração e disseminando o raciocínio fisiopatológico no diagnóstico das doenças do coração.

O eletrocardiograma continuava a ser o exame subsidiário chave de qualquer consulta cardiológica, ficando mais barato e mais fácil de ser feito com o aparecimento do papel termossensível. Com ele se tornava mais rápido e preciso o diagnóstico das arritmias, do infarto, dos bloqueios, das pericardites, dos aumentos atriais e ventriculares, da isquemia do miocárdio e de outras alterações do músculo cardíaco. O eletrocardiograma era também capaz de diagnosticar a dextrocardia e de sugerir o tipo de sobrecarga ventricular. Era grande a euforia com o método, transmitida por uma plêiade de cardiologistas, como Nilo Medeiros, no Rio Grande do Sul; Paulo Schlesinger, no Rio de Janeiro; José Costa Rocha, em Pernambuco; e João Transchesi, em São Paulo, autor de um livro sobre "Eletrocardiografia" que teve sucessivas edições.

Os exames radiológicos passaram a ser amplamente usados, porque diagnosticavam o crescimento do coração e de suas cavidades, o tipo de circulação pulmonar e o relacionamento entre o coração e os pulmões. Em função disso, os consultórios dos cardiologistas passaram a dispor de um aparelho de radioscopia que possibilitava identificar as calcificações valvares e pericárdicas, hoje identificadas pelo ecocardiógrafo, sem os inconvenientes da radiação.

O que marcou no Brasil, de forma indelével, os meados deste século foram os trabalhos de Maurício Rocha e Silva e sua equipe, em São Paulo. Foi uma descoberta de repercussão mundial a da bradicinina, um peptídio com nove aminoácidos, classificado no grupo dos autacóides. Trata-se de um potente vasodilatador e produto final do sistema calicreína-cinina-bradicinina, importante no controle da pressão arterial. Essa descoberta deu-se a partir do conhecimento de que a tripsina e alguns venenos de cobra atuam na globulina plasmática para produzir uma substância que causa queda da pressão arterial e lentidão da contração da fibra lisa do intestino, donde originou seu nome. Os estudiosos da medicina molecular vêm comprovando a grande importância da bradicinina na biologia humana.

Olhando os fatos na perspectiva da história da humanidade, achamos injusto que nem Carlos Chagas, nem Rocha e Silva tenham recebido o prêmio Nobel de Medicina. Ambos o mereciam, de sobejo, por suas descobertas.

Desde 1940, alguns médicos brasileiros começaram a aprofundar e atualizar seus conhecimentos, estagiando nos Estados Unidos e na Europa. Nos anos cinqüenta, porém, o grande atrativo era o Instituto Nacional de Cardiologia do México. Nele estagiaram João Tranchesi, Ely Toscano Barbosa, Stans Murad Neto, Marcos Fábio Lion e Paulo Ginefra e muitos outros. A volta desses médicos ao Brasil foi importante para elevar o nível da Cardiologia nacional, representando uma das grandes alavancas do progresso médico em nosso País. Foi iniciado, então, um intenso intercâmbio científico com outros países, principalmente com os Estados Unidos, Inglaterra, México, França e Argentina, cujos congressos e reuniões internacionais eram o foro das novidades sobre as doenças cardiovasculares.

Em 1950, órgãos governamentais, federais e estaduais começaram a se preocupar com a profilaxia da doença de Chagas, influenciados pelos cardiologistas, principalmente do Instituto Osvaldo Cruz, liderados por Francisco Laranja. Este foi, a nosso ver, o segundo grande marco visando a prevenção de uma cardiopatia no Brasil. O primeiro fora, sem dúvida, o declínio da sífilis cardiovascular, com a penicilina.

Outro ponto importante, de caráter social, levantado pelos cardiologistas foi o dos critérios para licença e aposentadoria por doenças do coração e grandes vasos. A iniciativa partiu, principalmente, de Adriano Pondé, da Bahia, que, junto com Magalhães Gomes, Augusto Mascarenhas e outros, propôs medidas de grande alcance social, que facilitassem a aposentadoria do cardíaco.

Mais um destaque desses anos foi o desenvolvimento rápido dos aparelhos portáteis de eletrocardiografia, tornando mais simples e mais freqüente seu emprego. Master, em Nova Iorque, começou a usá-los na chamada prova de esforço (Two-Step Test) que se difundiu por toda a parte. Rapidamente, a escada de dois degraus evoluiu para a bicicleta ergométrica, e esta para a esteira rolante. O teste de esforço tornou-se muito popular pela sua simplicidade e seu alcance científico. Com ele foi possível estudar a fisiologia do exercício e a resposta do coração aos esforços. Sua realização no consultório fornecia dados seguros e imediatos sobre a reserva coronária, um conhecimento primordial em relação à doença que passava a ocupar destaque na prática cardiológica — a aterosclerose coronária. A conseqüência natural foi o aparecimento da reabilitação cardíaca que, baseada na reserva coronária, tornou-se uma prática comum após o infarto do miocárdio e outras afecções cardíacas.

Os cardiologistas, que já ultrapassavam o número de 400, continuavam a se reunir num congresso anual, e os "Arquivos", com publicação regular, em muito contribuíram para organização formal da Cardiologia brasileira, base sólida para o constante progresso nas décadas seguintes.

 

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