Cem Anos da História da Cardiologia no Brasil (cont.)

Primeira Reunião Anual da SBC

 

A 1.ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Cardiologia realizou-se em 1944, em Campinas, e desde essa data, vem sendo organizada todos os anos, com a finalidade de congregar os cardiologistas brasileiros, científica e socialmente. Os assuntos discutidos nas reuniões científicas eram a eletrocardiografia, a doença de Chagas, a hipertensão arterial e a cardiopatia reumática. Durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em 1946, em Belo Horizonte, uma das decisões mais importantes foi a implantação da "Nomenclatura e Padronização do Diagnóstico Cardiológico".

Na época, os Serviços de Cardiologia possuíam um eletrocardiógrafo, um aparelho de raios X, com abreugrafia, um quimógrafo e um fonocardiógrafo.

Em matéria de medicamentos, havia pó de folha de digital, digitalina em gotas, diurético mercurial, quinidina. Mas também a penicilina, capaz de curar a endocardite bacteriana e a sífilis, impedindo as temíveis conseqüências tardias da lues: a insuficiência aórtica e os grandes aneurismas.

Entrementes, a ousadia cirúrgica revela-se com a simpatectomia bilateral, o tratamento mais eficaz nos casos de hipertensão maligna. Começa-se a pensar, de maneira mais precisa, na epidemiologia das doenças e nos problemas médico-sociais causados pela morbidade cardíaca.

Nessa época, as doenças dos vasos periféricos ainda eram da área de atuação dos cardiologistas, porém a separação das atividades já se delineava em favor de uma nova especialidade — a angiologia.

Em 1948, a criação da revista "Arquivos Brasileiros de Cardiologia", pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, foi um fato muito auspicioso. Os "Arquivos" tiveram marcante influência sobre a Cardiologia nacional. Seu primeiro editor foi Jairo Ramos, da Escola Paulista de Medicina, que lhe moldou os passos, dando-lhe um alto nível técnico e excepcional qualidade editorial. No segundo número, havia um artigo da escola mexicana de eletrocardiografia, a qual, sob a tutela de Sodi Pallares e Enrique Cabrera, influenciou o pensamento eletrocardiográfico de toda uma geração de cardiologistas brasileiros.

Ainda em 1948, Azarias de Brito, no Rio de Janeiro, realizou com sucesso a primeira cirurgia brasileira para correção de persistência do canal arterial. Em Santos, Domingos Pinto efetuou, também com êxito, a primeira cirurgia de Blalock-Taussig no Brasil, seguido imediatamente por Euríclides Zerbini, em São Paulo, e José Hilário, no Rio de Janeiro.

No início da década de 50, surgiram, em diversos hospitais brasileiros, os primeiros Laboratórios de Hemodinâmica com as mesas convencionais de radioscopia, em que era necessário o uso de pesadas luvas isolantes de radiação. A instalação desses laboratórios possibilitou o diagnóstico mais fiel das cardiopatias congênitas e valvares, o que foi seguido por cada vez mais audaciosas cirurgias cardíacas e dos grandes vasos. Progrediram assim, lado a lado, a hemodinâmica e a cirurgia cardíaca. Uma estimulando e quase forçando o desenvolvimento da outra.

O pensamento do médico em relação ao conhecimento do coração tornava-se progressivamente fisiológico, atraindo um grande número de jovens profissionais encantados e entusiasmados com esta abertura. Os resultados das cirurgias de estenose mitral, estenose aórtica e estenose pulmonar começaram a dar segurança aos médicos que as indicavam, assim como a correção cirúrgica da CIA, tetralogia de Fallot, persistência do canal arterial e pericardite constritiva. Todas elas ainda eram realizadas a céu fechado. Só em 1956 foi que Hugo Felipozzi iniciou, em São Paulo e na América do Sul, a era da cirurgia a céu aberto, utilizando para isso um primitivo coração-pulmão artificial.

Com os progressos da hemodinâmica e da cirurgia, um frenesi permeava todo o ambiente cardiológico, de norte a sul do País. Oswaldo Said, no Amazonas; Glaura Ferrer Martins, no Ceará; Anis Rassi, Omar Carneiro e Clovis Figueiredo, em Goiás; Aristóteles Brasil, em Minas Gerais; Arnaldo Moura, no Paraná; Paulo Borba, em Pernambuco, Luiz Murgel e Gilberto Strunck, no Rio de Janeiro; Rubem Rodrigues, no Rio Grande do Sul; Hellen Costa, no Rio Grande do Norte; Marcos Fábio Lion, em São Paulo; e Júlio Flávio Prado, em Sergipe, foram jovens envolvidos por esse entusiasmo que muito contribuíram para o desenvolvimento da Cardiologia, ao longo dos anos, em toda a nação.

 

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