O Significado Simbólico do Coração e o Lado Humano da Medicina

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Se tomarmos a clássica figura do Atlas de Netter (1987), que procurou caracterizar o caráter constritivo da dor isquêmica, e a compararmos com o gesto do homem que sente no coração a dor da separação, na tela de Munch, de 1896, exatamente com o título de "A Separação", podemos ver como são semelhantes os gestos e, talvez, o próprio sofrimento. Um provocado por isquemia miocárdica e outro pela perda da amada (Figs. I.9 e I.10).

De uma maneira muito clara compreendi o significado simbólico do coração na minha prática médica, quando um paciente portador de bloqueio atrioventricular total de etiologia chagásica voltou ao meu consultório dois meses após o implante de um marcapasso artificial, dizendo "Doutor, quero que retire este aparelho porque não estou agüentando a dor de viver com o coração amarrado!" Percebendo que suas palavras traduziam um verdadeiro sofrimento e na tentativa de compreendê-lo melhor, dei-lhe uma caneta e uma folha de papel e pedi que me mostrasse em um desenho como sentia o seu coração. Sem titubear, delineou o coração simbólico, com um relógio ao lado, do qual tirou um "fio" que foi "enrolando" no coração (Fig. I.11). Logo a seguir, pedi ao cirurgião que realizou o implante do marcapasso para me mostrar como explicava tal procedimento ao paciente. De uma maneira rápida e objetiva o colega fez um círculo, um gerador de estímulos, do qual nascia um fio cuja ponta (em forma de seta) ia se fixar dentro de uma cavidade (o coração). E explicava: "O marcapasso é um aparelho muito simples. Tem um gerador do tamanho de um relógio. Dele sai um fio que vai até o coração, onde dá um pequeno choque, fazendo o coração bater certinho" (Fig. I.11).

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O paciente partiu daquele inocente esquema e o interpretou culturalmente, transformando o gerador em um relógio de verdade — que marca o passar do tempo, ou seja, a vida. O círculo que representava a cavidade ventricular tomou a forma do coração simbólico e o fio mudou o trajeto, simples na explicação do cirurgião, mas que na compreensão do paciente, passou a ser um arame que envolvia (amarrava!) o coração.

Compreendi claramente o sofrimento do paciente e mais ainda o lado humano da medicina.

 

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