Cem Anos da História da Cardiologia no Brasil

Continuação

 

Em relação à hipertensão arterial, a concientização da sua importância tomou um grande impulso e, em todo o território nacional, formaram-se departamentos, ligas e serviços com a finalidade de organizar e sistematizar seu controle. Destacamos, como pioneiros dessas iniciativas, João Carlos da Rocha, de Campinas, e Paulo César Veiga Jardim, de Goiânia. Em apoio a esses serviços, foi lançado no mercado um notável grupo de substâncias anti-hipertensivas: os inibidores da ECA. Tais medicamentos suscitaram um melhor conhecimento de um dos sistemas de controle da pressão arterial, o sistema renina-angiotensina, que mais tarde comprovou-se ter influência também na função e no crescimento ventricular esquerdo e vascular, estendendo-se sua indicação à insuficiência cardíaca, o que revolucionou o tratamento dessa disfunção na década de 90.

Desde a década de 60, certo número de cardiologistas interessados em cardiopatias congênitas e doenças do coração em crianças foi surgindo em diferentes pontos do País. Inicialmente liderados por Maria Vitória Martins e, depois, por Radi Macruz, Munir Ebaid e Valmir Fontes, em São Paulo; Marco Aurélio Santos e Rosa Célia Barbosa, no Rio de Janeiro; e Helder Paupério, em Belo Horizonte. Trabalhando em conjunto com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, esses médicos tomaram uma série de iniciativas em prol das crianças com lesões congênitas. Havia, do mesmo modo, um bom número de cirurgiões interessados em cardiopatias congênitas como Milton Meier, no Rio de Janeiro, Miguel Barbero Marcial, em São Paulo, e Fernando Lucchese, em Porto Alegre, realizando, no País, um excelente trabalho.

Um fato promissor da década de 80, no Brasil, foi o estudo das arritmias cardíacas baseado em conhecimentos eletrofísicos e aplicados principalmente à doença de Chagas. Esses estudos começaram em São Paulo, com Eduardo A. Sosa e João Pimenta; em São José do Rio Preto, com Adalberto Menezes Lorga; no Rio de Janeiro, com Ivan Gonçalves Maia; e em Goiânia, com Sérgio Gabriel Rassi. As arritmias cardíacas por marcapasso, aberto naquela década, ao estudo da síndrome de Wolff-Parkinson-White e conseqüente ablação por catéter, tratamento esse que se intensificou, principalmente em relação às arritmias cardíacas malignas, após a verificação de que o tratamento medicamentoso era um fracasso. Nesse campo, destacaram-se Fernando Cruz Filho, Henrique Besser e Jacob Atiê, no Rio de Janeiro; Júlio Gizzi, Silas Galvão e Dalmo Moreira, em São Paulo; Mittermayer Brito e Rubem Darwich, em Belo Horizonte; Ayrton Peres, em Brasília; e Cídio Halperin, em Porto Alegre. Outras duas áreas de estudo se iniciaram e mantêm continuidade até hoje: a avaliação da função autonômica do coração pela variabilidade da freqüência cardíaca, com Claudio Gil de Araújo, no Rio de Janeiro, e a eletrocardiografia de alta resolução, com Paulo Moffa, em São Paulo.

Desde 1961, a Sociedade Brasileira de Cardiologia estabeleceu e vem desenvolvendo um fundo ao qual se deu o nome de "Fundo do Coração" (FUNCOR), cuja finalidade precípua é estimular a pesquisa e o aperfeiçoamento em Cardiologia. As atividades do FUNCOR, embora de alto custo, foram inteligentemente gerenciadas por cardiologistas como Reinaldo Chiaverini, no início; Ermelindo del Nero, em 1985; Domingo Braile, José Antônio F. Ramires e Marco Aurélio Dias da Silva, mais recentemente. O FUNCOR tem canalizado atenção e recursos para campanhas de prevenção, que necessitam ser cada vez mais desenvolvidas a fim de se obter um real impacto na sociedade brasileira.

Nos últimos anos, os cirurgiões cardiovasculares tiveram melhores resultados na correção das lesões coronárias usando, diretamente, o fluxo das mamárias em vez da ponte de safena. Do mesmo modo, utilizam as artérias radial e gastroepiplóica, que, exatamente por serem artérias, duram mais que a veia safena. Outros avanços que se registraram nesse campo foram a revascularização miocárdica minimamente invasiva, sem necessidade de circulação extracorpórea e parada cardíaca, e a cirurgia por videotoracoscopia. Deve ser registrada também a ventriculectomia parcial, proposta por Randas Vilela Batista, do Paraná, para reduzir o tamanho do coração que entra em insuficiência cardíaca refratária, quando muito dilatado. Essa técnica vem despertando interesse em vários países, sendo objeto de estudos que irão definir suas indicações e resultados.

Na década de 90, a Sociedade Brasileira de Cardiologia inicia e mantém a publicação de uma série de "Documentos de Consenso", nos quais atualiza tratamentos e metodologias com a ajuda de ilustres cardiologistas do País. Sem dúvida, este tipo de trabalho eleva a qualidade da assistência cardiológica. O primeiro, o "Tratamento da Hipertensão Arterial Sistêmica", publicado em 1991, teve entre os seus autores Agnaldo David de Souza, da Bahia; Eliudem Galvão Lima, de Vitória; José Márcio Ribeiro, de Belo Horizonte; Edgar Pessoa de Mello, do Recife; Jairo Mancilha de Carvalho, do Rio de Janeiro; e Fernando Nobre e Michel Batlouni, de São Paulo. Um segundo Consenso, editado em 1992, o "Tratamento da Insuficiência Cardíaca", contou com a colaboração de Alcides Zago, de Porto Alegre; Antonio Carlos Pereira Barreto, Radi Macruz, Eulógio Martinez Filho e Valéria Bezerra de Carvalho, de São Paulo; Dalton Vassalo, de Vitória; Edson Saad, do Rio de Janeiro; Éfrem Maranhão, do Recife; e Ricardo Rosado Maia, de João Pessoa. Em 1993, foi publicado o "Consenso Brasileiro sobre Dislipidemias", tendo nele colaborado Ênio Cantarelli e Wilson Alves de Oliveira Júnior, do Recife; Celso Ferreira, Jayme Diament e Neusa Forti, de São Paulo; e Geniberto Paiva Campos, de Brasília. Este Consenso foi atualizado em 1993 com a participação de Hans Dohmann, do Rio de Janeiro; José Antônio F. Ramires, José Carlos Nicolau e Marcelo Bertolami, de São Paulo; e Luiz Carlos Bodanese, de Porto Alegre. Em 1993 foi editado, também, um "Consenso Nacional sobre Cardiopatia Grave", tendo dele participado Epotamenides Good God e Gilberto Correia Dias, de Belo Horizonte; José Armando Mangioni, Luiz Eduardo Mastrocolla e Marco Aurélio Dias da Silva, de São Paulo; Olavo Garcia da Silva, do Paraná; e Waldomiro Manfroi, do Rio Grande do Sul. Em novembro de 1994 foi publicado o "Consenso Brasileiro sobre Trombólise", e dele fizeram parte Gilson Soares Feitosa e José Péricles Esteves, da Bahia; Pedro Albuquerque, de Alagoas; Bernardino Tranchesi, Bruno Camarelli, Expedito Ribeiro, Lélio Alves da Silva, Roberto Kalil Filho e José Maria Netto, de São Paulo; e Roberto Bassan e César Cardoso de Oliveira, do Rio de Janeiro. Esses consensos são usados de maneira ampla pelos cardiologistas, que neles encontram os melhores tratamentos e as mais novas técnicas, ganhando o paciente a mais moderna conduta médica.

A medicina atual caracteriza-se pelo emprego de medicamentos testados em grandes ensaios terapêuticos, nos quais se usam, em geral, dois grupos, um com a substância ativa e outro com placebo, sempre com objetivos finais bem definidos. Esses ensaios têm sido muito úteis, pois identificam melhor o efeito placebo e abrem caminho para o que hoje se chama "medicina baseada em evidências". Esses ensaios têm características de universalidade e vários cardiologistas brasileiros neles tomam parte, como Leopoldo Piegas, de São Paulo, no ensaio chamado EMERAS (Estudo Multicêntrico de Estreptoquinase nas Repúblicas da América do Sul).

Na Cardiologia atual, duas áreas vêm crescendo de importância: a cardiogeriatria, devido ao aumento da média de vida da população, e a aterosclerose. Na primeira, destacam-se dois cardiologistas paulistas, Maurício Wajngarten e Roberto A. Franken, e, na segunda, um grupo de estudiosos das dislipidemias, entre os quais Armênio Guimarães, de Salvador; e Tânia Martinez e Eder Quintão, de São Paulo.

Neste ano de 1998 teremos um acontecimento extraordinário — o XIII Congresso Mundial de Cardiologia, que se realizará em abril, no Rio de Janeiro, reunindo 12.000 cardiologistas de todo o mundo, tendo como presidente Mário Maranhão, de Curitiba; como tesoureiro, Cantídio Drumund Neto e, como dirigente da Comissão Científica, Ayrton Brandão, ambos do Rio. O Congresso Mundial será, neste fim de século, a condensação do que a Cardiologia brasileira fez para a sociedade nesses 100 anos de evolução, prolongando a vida, melhorando sua qualidade e abrindo novas esperanças. O Congresso nos dará ensinamentos preciosos, antevendo-se que, na metade do século XXI, a hipertensão arterial e a aterosclerose percam sua importância como os grandes desafios da Cardiologia atual.

Temos por certo que nos há de ser relevada a omissão, ainda que absolutamente involuntária, de muitos e importantes nomes que ajudaram a construir, desde os alicerces, a história de nossa Cardiologia.

 

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