IJCS | Volume 31, Nº2, Março / Abril 2018

174 e às correntes migratórias, é também uma doença emergente em países não endêmicos, como Estados Unidos daAmérica, Canadá, Espanha, França, Suíça, Itália, Japão, e outros países da Ásia e da Oceania. 1,5,6 História natural e estágios evolutivos A história natural da DC compreende fases aguda e crônica. A maioria dos pacientes com doença aguda são assintomáticos ou têm apenas sintomas leves e inespecíficos de uma síndrome infecciosa, sendo raro um quadro de miocardite oumeningoencefalite sintomática. Assim que a fase aguda se abate, em geral após 4 a 8 semanas, os pacientes evoluem para a fase crônica, que inclui duas formas de doença: uma forma indeterminada (latente ou pré-clínica), e uma forma determinada, ou com expressão clínica, que se subdivide em cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva. Pode também acontecer evolução direta da fase aguda para a fase crônica, sem que ocorra uma forma indeterminada, em 5 a 10% dos casos. 7 A doença crônica também pode ser reativada, apresentando-se como doença aguda (reagudizada), em indivíduos com imunossupressão natural (por doença como a AIDS , ou iatrogenicamente (e.g. em transplantados de órgãos sólidos). A figura 1 representa a evolução natural da doença. A forma indeterminada compreende os pacientes com evidências de infecção pelo T cruzi (testes sorológicos positivos, baseados na presença de anticorpos antiparasitários circulantes),mas semmanifestações clínicas dedoença cardíaca oudo tratodigestório. Cercade 30 a 50% dos pacientes coma forma indeterminada, que usualmente pode durar de 10 a 30 anos, desenvolverão a CCDC ao longo de suas vidas. 8 A CCDC não só é a mais frequente das manifestações, como também a mais grave, com grau de morbidade alcançando níveis de 30%. 9,10 Considerando-se ainda que a evolução tardia da CCDC envolve o aparecimento de um quadro clínico de miocardiopatia dilatada, com disfunção ventricular esquerda global e de síndrome de insuficiência cardíaca, a Diretriz Latino-Americana para o Diagnóstico e Tratamento da Cardiopatia Chagásica adotou uma classificação para a disfunção ventricular esquerda da doença de Chagas, que espelha a gradação dos estágios evolutivos da insuficiência cardíaca adotada nas diretrizes internacionais para esta síndrome. Dessa forma, a fase crônica da CCDC pode ser classificada em 5 estágios evolutivos (A, B1, B2, C e D) de disfunção ventricular esquerda (quadro 1). Etiopatogenia Na fase aguda, o dano orgânico é nitidamente associado à infestação e multiplicação parasitária no miocárdio, além de outros tecidos comumente acometidos como o sistema nervoso e aparelho digestivo. A linfadenopatia e o aumento do baço e fígado devem-se à reação imunológica sistêmica e correlacionam-se com a elevada parasitemia. Com a remissão da parasitemia e das reações inflamatórias sistêmicas, o paciente adentra a fase crônica da doença, em que se acredita que, desde a forma indeterminada, ocorra umprocesso de miocardite focal de baixa intensidade, mas incessante, que causa destruição de fibras e fibrose reparativa miocárdica progressivas. Isso provoca dano miocárdico cumulativo, e resulta tardiamente em um quadro de miocardiopatia dilatada, usualmente acompanhada de arritmias graves, complicações tromboembólicas e morte súbita em elevada proporção dos casos. Acredita-se que a miocardite crônica da doença de Chagas deva-se a dois processos patogenéticos principais: dano miocárdico, associado diretamente à inflamação, causada por parasitismo de fibras cardíacas, emmúltiplos focos, mas de baixa intensidade; e à agressão miocárdica causada por reação imune adversa direcionada e, continuamente alimentada, pela reiterada apresentação de antígenos vinculada ao parasitismo cardíaco persistente. Adicionalmente, há evidências para apoiar a noção de que existam ainda dois mecanismos auxiliares e amplificadores da lesão miocárdica: distúrbios da perfusão miocárdica pela presença de anormalidades da microcirculação coronária e anormalidades da inervação autonômica cardíaca (Figura 2). 11 Fase aguda Sinais e sintomas A fase aguda se inicia após período de incubação geralmente de 1-4 semanas após a exposição ao T. cruzi . As lesões conhecidas como "chagomas", incluindo o típico (mas não específico) sinal de Romaña, decorremde edema demucosaoucutâneono local da inoculação.Amaioriados pacientesapresenta‑seassintomáticaoumanifesta sintomas sistêmicos infecciosos (febre, hepato‑esplenomegalia, diaforese, mialgia), acompanhados por alterações laboratoriais igualmente não específicas, principalmente leucocitose, com linfocitose absoluta. Uma minoria dos Simões et al. Cardiomiopatia da doença de chagas Int J Cardiovasc Sci. 2018;31(2)173-189 Artigo de Revisão

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=