IJCS | Volume 31, Nº2, Março / Abril 2018

179 As características dos pacientes com CCDC, apresentando AVC, foram exploradas em estudo de 94 pacientes com quadro de AVC isquêmico agudo, que foram comparadas comas de grupo controle de pacientes não portadores de CCDC. Os indivíduos infectados pelo T. cruzi exibiram taxas mais elevadas de AVC cardioembólico (56% versus 9%), dilatação ventricular esquerda (23% versus 5%), trombose mural VE (12% versus 2%), aneurisma apical (37%versus 1%) e fibrilação atrial (14% versus 5%). 23 Prevenção do AVC cardioembólico na CCDC A I Diretriz Latino-Americana para o Diagnóstico e Tratamento da Cardiopatia Chagásica adotou recomendação para estimativa do risco de AVC cardioembólico e para sua prevenção mediante emprego de agentes antitrombóticos orais, 1 baseando-se emestudo de coorte prospectivo de 1.043 pacientes com CCDC. A incidência total relatada desse evento foi de 3,0%, ou 0,56%/ano. No modelo final de predição de risco para ocorrência de AVC cardioembólico, foi composto escore em que a presença de disfunção sistólica do VE contribuiu com dois pontos e aneurisma apical, alteração primária da repolarização ventricular no ECG e idade > 48 anos com um ponto para cada uma dessas alterações. Considerando-se o risco/benefício, a varfarina estaria indicada para pacientes com 4-5 pontos (neste subgrupo, há incidência de 4,4% de AVC versus 2,0% de sangramento grave ao ano). No subgrupo com escore de 3 pontos, as taxas de AVC e sangramento grave com uso de anticoagulante oral se equivalem, podendo ser indicados o ácido acetil-salicílico (AAS) ou varfarina. 32 Em pacientes com 2 pontos e baixa incidência de AVC (1,2% ao ano), foi recomendado o AAS, ou nenhuma profilaxia. Os pacientes com0-1 ponto, com incidência do evento próximo a zero, não necessitariamde profilaxia. 33 Manifestações arrítmicas A CCDC é essencialmente uma cardiomiopatia arritmogênica, com peculiaridades fisiopatológicas neste contexto que a fazem singularmente distinta de outras cardiopatias. Virtualmente, todos os tipos de arritmia atrial e ventricular podem ocorrer, incluindo disfunção do nó sinusal, BAV completo intermitente ou fixo e arritmias ventriculares complexas. As arritmias podem cursar assintomáticas ou manifestar-se com mal-estar inespecífico ou palpitação de início súbito, em repouso ou desencadeado por esforço, fugaz, e de resolução espontânea. Menos frequentes, porémmais ominosos, são sintomas de baixo débito por síndrome de Stokes‑Adams, como pré-síncope, lipotimia, ou mesmo síncope, que ocasionalmente podem ser precedidos de palpitações. Esses episódios podem tanto corresponder a taquicardia ventricular (não-sustentada ou sustentada, com ou sem instabilização hemodinâmica) como a bradiarritmias por bloqueio átrio-ventricular. 34 Em alguns casos o ECG simples de 12 derivações, com tira-ritmo já mostra despolarizações ventriculares ectópicas prematuras, e até surtos de taquicardia ventricular, além de fibrilação atrial ou BAV completo. Arritmias ventriculares taquicardizantes e distúrbios de condução AV causando períodos de bradicardia podem frequentemente se alternar, coexistindo muitas vezes durante a mesma gravação de Holter. Aoexamefísico,podemserdetectadosodesdobramento fixo da segunda bulha em foco pulmonar, irregularidades do ritmo cardíaco, oumesmo bradicardias, algumas vezes associadas a sinais típicos de ondas ”a” periodicamente incrementadas no pulso venoso jugular, e reforço da primeira bulha (“em canhão”), quando há coincidência temporal de sístoles atrial e ventricular, que são sugestivos de bloqueio atrioventricular completo. A presença e densidade da arritmia, emmuitos casos, correlacionam-se com o grau da disfunção ventricular, porém, podem também incidir em pacientes com função ventricular esquerda global ainda preservada, constituindo a "forma arritmogênica isolada" da doença. Essa característica, que distingue a CCDC da doença arterial coronária com disfunção ventricular, bem como de outras cardiomiopatias, e torna os pacientes infectados por T. cruzi especialmente susceptíveis à ocorrência de morte súbita precoce, deriva de suas peculiaridades fisiopatológicas e de sua peculiar patogênese. De fato, o mecanismo da arritmia ventricular grave na CCDC está principalmente relacionado à presença de fibrose regional (particularmente na região posterior-lateral do VE) e formação de circuitos de macro-reentrada. 35 Estudos recentes usando ressonância magnética cardíaca têm reforçado a noção de que a presença de fibrose regional é um fator fundamental para o mecanismo arrítmico nesta doença. 36-38 Outro fator fisiopatológico relevante, potencialmente contribuindo como gatilho para a arritmia ventricular grave e o desencadeamento de morte súbita na CCDC, relaciona-se com a extensa e precoce denervação simpática regional domiocárdio. Em estudo de pacientes Simões et al. Cardiomiopatia da doença de chagas Int J Cardiovasc Sci. 2018;31(2)173-189 Artigo de Revisão

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