IJCS | Volume 31, Nº2, Março / Abril 2018

178 em diversos relatos da literatura, que reproduzem as observações pioneiras de Chagas e Villela. 28 Nas fases iniciais da manifestação, os sintomas mais frequentes são a fadiga e a dispneia aos esforços sendo, contudo, incomum o registro de sintomas mais intensos de congestão pulmonar, como dispneia paroxística noturna e de decúbito com ortopneia. Na evolução da doença, somam-se os sintomas de congestão venosa sistêmica (turgência jugular, hepatomegalia, edema de membros inferiores e ascite), e a evolução pode ainda progredir para anasarca, adinamia, ou caquexia cardíaca, à semelhança de outras cardiopatias com disfunção ventricular avançada. Ao exame físico, há ainda sinais de cardiomegalia pelo desvio do ictus cordis ; pode haver abafamento de B1 em foco mitral, desdobramento permanente de B2 pela presença de BCRD, terceira bulha e sopros regurgitativos de valvas atrioventriculares, que podem ocorrer secundariamente à dilatação das câmaras ventriculares. Os sinais de baixo débito sistêmico podemestar presentes em casos avançados, como pulsos filiformes, perfusão periférica lentificada e oligúria. Estes sinais são comuns a outras síndromes clínicas de insuficiência cardíaca. Em contraposição a estas semelhanças, na insuficiência cardíaca de etiologia da doença de Chagas, a congestão pulmonar é comumente discreta nos estágios avançados da doença, frente a mais exuberante congestão sistêmica, podendo ser a semiologia pulmonar mais afetada pelos sinais de derrame pleural que por crepitações, assimcomo por níveis pressóricos sistêmicos mais baixos neste grupo de pacientes. Mais rara ainda é a evolução para edema agudo de pulmão nestes casos. 20 Estas particularidades na apresentação clínica podem estar relacionadas a mais frequente concomitância de disfunção biventricular, com insuficiência ventricular direita às vezes mais precoce e pronunciada do que a esquerda nos pacientes com a infecção por T. Cruzi . Manifestações tromboembólicas Embolias pulmonares e sistêmicas são manifestações comuns de pacientes comCCDC, originadas de tromboses murais emcâmaras cardíacas e emveias sistêmicas, sendo importante causa de acidente vascular cerebral embólico e outras morbidades. Acidentes tromboembólicos são, muitas vezes, a primeira manifestação da doença e podem ocorrer nos estágios ainda sem disfunção ventricular (estágio B2). Contudo, como emvárias outras cardiopatias, dilatação cavitária cardíaca e síndrome de IC são fatores de risco reconhecidos para sua ocorrência. Mas são as discinesias ventriculares regionais, principalmente apicais, como o clássico aneurisma em "dedo de luva", que conferem particular propensão à formação de trombos murais e os consequentes eventos embólicos, especialmente os sistêmicos. Como previsível, tambéma fibrilação atrial, ainda que presente emminoria desta população, como manifestação relativamente tardia e secundária à disfunção ventricular, constitui fator trombogênico adicional. Embolização pulmonar, podendo se originar de trombos venosos periféricos e das cavidades cardíacas direitas, é diagnosticada com muitomenos frequência clinicamente, mas sua incidência é certamente subestimada, quando comparada à sua prevalência em material de necropsia. 29 Há nítida carência de dados para que se possa estimar a real incidência de tromboembolismo clínico na CCDC, mas séries de autopsias e estudos clínicos indicamaltas taxas de trombos intracardíacos e episódios tromboembólicos nesta população. Em revisão de 1345 necropsias de pacientes falecidos com cardiomiopatia chagásica crônica, tromboêmbolos e/ou trombos intracardíacos foram observados em 44% dos casos. 29 Os trombos foram igualmente frequentes nas cavidades cardíacas esquerdas e direitas. Tromboembolismo da circulação sistêmica foi mais frequente, mas a embolia pulmonar foi mais associada a evento fatal. Estudo utilizando ecocardiograma transtorácico e transesofágicomostrouque o coração foi origemfrequente de tromboêmbolos em 75 pacientes cronicamente infectados por T. Cruzi sem sintomas de IC, ou com sintomas leves. Trombos murais do ventrículo esquerdo foram encontrados em 23% dos pacientes e estavam associados à história pregressa de acidente vascular cerebral (AVC). Aneurisma apical foi identificado em47% dos pacientes e estava significativamente relacionado à trombose mural e à ocorrência de AVC. Trombose do apêndice atrial esquerdo e direito estava presente em 4 e 1 paciente, respectivamente. Durante o tempo de seguimento clínico de 24 meses, observou-se 1 episódio de AVC não fatal e 13 mortes, sendo 7 mortes súbitas, 5 por progressão de IC e 1 morte por AVC. 30,31 Revisão sistemática de 8 estudos observacionais englobando 4158 pacientes, endereçou a associação entre CCDC e risco de AVC. 32 Os resultados indicam que os pacientes cronicamente infectados por T. Cruzi , quando comparados aos não-infectados, apresentam um excesso de risco de AVC, da ordemde 70% (RR= 1,70; IC 95%: 1,06 a 2,71). Quando a análise foi limitada aos 3 estudos com critérios mais estritos de AVC, um excesso de risco ainda maior foi encontrado (RR = 6,02; IC 95%: 1,86 a 19,49). Simões et al. Cardiomiopatia da doença de chagas Int J Cardiovasc Sci. 2018;31(2)173-189 Artigo de Revisão

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