ABC | Volume 115, Nº1, Suplemento, Julho 2020

Relato de Caso Uma Forma Complicada de Infarto de “Um Segmento” Miocárdico: O Papel da Imagem Cardiovascular A Complicated “One Segment” Myocardial Infarction: The Role of Cardiovascular Imaging Ana Rita Pereira, 1 Ana Rita Almeida, 1 Inês Cruz, 1 Luis Rocha Lopes, 2,3, 4 Maria José Loureiro, 1 Hélder Pereira 1,4 Serviço de Cardiologia, Hospital Garcia de Orta EPE, 1 Almada - Portugal Barts Heart Centre, Barts Health NHS Trust, 2 Londres - Inglaterra Institute of Cardiovascular Science, University College London, 3 Londres - Inglaterra Centro Cardiovascular, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Universidade de Lisboa, 4 Lisboa - Portugal Introdução A incidência de complicações mecânicas (CM) após o infarto do miocárdio (IM) foi reduzida para menos de 1% com o uso rotineiro de terapias de reperfusão primária. 1 As CM são classificadas como precoces, incluindo as formas agudas e subagudas, e tardias ou crónicas. 2 As primeiras apresentam-se principalmente como choque cardiogênico 2 e as últimas podem variar de assintomáticas a apresentação commorte súbita. 3 Como todas essas condições podem ter consequências potencialmente letais, são necessários diagnóstico e tratamento oportunos. 1-3 Relato de Caso Uma mulher de 57 anos de idade e fumante foi admitida no Serviço de Emergência com dor no peito anterior opressiva, náusea e vômito. Quatro dias antes, a paciente reportou sintomas semelhantes com horas de evolução, mas alívio espontâneo. Durante a admissão, ela estava consciente e apresentava dor no peito. O exame médico revelou hipotensão, taquicardia, polipneia e sinais de diminuição da perfusão periférica. Um eletrocardiograma de 12 derivações mostrou taquicardia sinusal com elevação do segmento ST de 4 mm nas derivações DI e aVL e depressão do segmento ST de 4 mm nas derivações inferiores. Exames complementares revelaram acidose láctica, parâmetros inflamatórios sistêmicos elevados e aumento dos marcadores de necrose miocárdica. O ecocardiograma transtorácico (ETT) demonstrou ventrículo esquerdo hipertrofiado e não dilatado, com hipocinésia da parede lateral, mas com função sistólica preservada; derrame pericárdico moderado com colapso diastólico parcial das cavidades direitas; e veia cava inferior dilatada sem variação respiratória (Figura 1; Vídeo 1). Não houve achados valvulares significativos e a raiz e o arco aórtico estavam normais. Por suspeita de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) complicado por ruptura da parede livre (RPL) ventricular esquerda (VE), não foi administrada medicação antitrombótica e a paciente foi submetida a angiografia coronária invasiva (ACI) e ventriculografia (Vídeo 2). Observou-se estenose de 90% do ramo póstero-lateral, mas aparentemente não foram encontradas nenhuma lesão oclusiva, ruptura ventricular ou alterações da contractilidade segmentar do ventrículo esquerdo. Após angiografia, seu quadro clínico piorou. Foi admitido tamponamento cardíaco e realizada pericardiocentese percutânea de emergência com drenagem de 200 mL de líquido hemático sem coagulação espontânea, resultando em melhora global (Figura 2). A análise do fluído revelou tratar- se de um exsudado com adenosina desaminase normal. As análises microbiológicas foram negativas e o teste citológico não revelou células neoplásicas. Com o objetivo de determinar a etiologia do derrame, também foram realizadas sorologias virais, de autoimunidade e tomografia computadorizada toracoabdominal-pélvica com resultados normais. Dada a ausência de um diagnóstico específico, foi realizada uma ressonância magnética cardíaca (RMC) oito dias após a internação. Revelou discinesia do segmento médio da parede lateral nas sequências de cine, sinal hiperintenso transmural nas imagens de recuperação de inversão de tau curta ponderada em T2 (Figura 3A e 3B) — compatíveis com edema — e realce tardio transmural (Figura 3C e 3D) — sugerindo necrose miocárdica — desse segmento. Esses achados foram compatíveis com IM subagudo do segmento médio da parede lateral, sem viabilidade aparente. Além disso, observou-se a ausência de tecido miocárdico entre os segmentos médios das paredes lateral e inferolateral, cercados por uma pequena protuberância sacular com pescoço estreito, sugerindo um pseudoaneurisma nesse local (Figura 3E e 3F; Vídeo 3). Assim, confirmou-se o diagnóstico inicialmente suspeito: IAMCSST subagudo complicado com RPL VE que evoluiu para tamponamento cardíaco e posteriormente para formação de pseudoaneurisma. Devido ao risco de complicações fatais, a paciente foi submetida a cirurgia cardíaca. Sem necessidade de circulação extracorpórea, foi realizada cirurgia de revascularização do miocárdio com enxerto de veia safena na artéria posterolateral e plicatura de pseudoaneurisma. Atualmente, a paciente encontra-se assintomática. Correspondência: Ana Rita F. Pereira • Hospital Garcia de Orta EPE – Cardiologia - Avenida Torrado da Silva Almada, 2805-267 – Portugal E-mail: pereira.anaritaf@gmail.com Artigo recebido em 17/05/2019, revisado em 16/09/2019, aceito em 23/10/2019 Palavras-chave Ruptura Cardíaca; Infarto do Miocárdio; Falso Aneurisma; Diagnóstico por Imagem; Ecocardiografia/métodos. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190323 25

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