ABC | Volume 115, Nº1, Suplemento, Julho 2020

Relato de Caso Dissecção Coronária Espontânea em Paciente com Xantomatose Cerebrotendinosa Spontaneous Coronary Artery Dissection in a Patient with Cerebrotendinous Xanthomatosis Maria Júlia Silveira Souto, 1 M arcos Antônio Almeida-Santos, 2,3 Eduardo José Pereira Ferreira, 1,3 Luiz Flávio Galvão Gonçalves, 1,3 Joselina Luzia Menezes Oliveira, 1, 3 A ntônio Carlos Sobral Sousa 1, 3 Universidade Federal de Sergipe, 1 São Cristovão, SE - Brasil Programa de Pós-Graduação em Saúde e Meio Ambiente, Universidade Tiradentes, 2 Aracaju, SE - Brasil Centro de Educação e Pesquisa da Fundação São Lucas, 3 Aracaju, SE – Brasil Introdução A Xantomatose Cerebrotendinosa (XCT) é uma doença autossômica recessiva caracterizada pela formação de lesões xantomatosas em muitos tecidos, em particular no cérebro e tendões. 1 O distúrbio é consequência da redução da produção de ácidos biliares, predominantemente do ácido quenodesoxicólico (CDCA) e do aumento da formação de colestanol. 2 Manifestações clínicas comuns incluem diarreia infantil e catarata bilateral de início juvenil, geralmente seguida por xantomas tendinosos e disfunção neurológica progressiva. 3 O diagnóstico final é baseado em anormalidades bioquímicas, incluindo níveis plasmáticos elevados de colestanol e aumento dos níveis urinários de álcool biliar associados a uma concentração biliar diminuída de CDCA. 4 O tratamento é baseado na suplementação oral de CDCA que, se iniciada precocemente, pode prevenir grandes problemas clínicos, uma vez que produz uma redução na síntese e nos níveis plasmáticos de colestanol. 3 O comprometimento cardiovascular em pacientes com XCT é principalmente associado à aterosclerose prematura. 4 A análise lipídica no sangue de pacientes com XCT revelou níveis dramaticamente altos de 27-hidroxicolesterol e baixos níveis de lipoproteína de alta densidade-colesterol (HDL), que colocam esses pacientes em alto risco de doença cardiovascular. 5 A dissecção espontânea da artéria coronária (SCAD, do inglês spontaneous coronary artery dissection) é definida como uma separação não traumática da parede arterial coronariana, criando um falso lúmen, o que leva a uma redução do fluxo sanguíneo. 6 Embora existam outras condições sistêmicas que tornam a parede do vaso coronariano vulnerável a essa condição, em pacientes com doença arterial coronariana aterosclerótica, a ruptura de um fibroateroma de capa fina pode levar à SCAD. 7 Descrevemos um relato de caso de uma paciente com diagnóstico de XCT que apresentou comprometimento cardíaco devido à SCAD. Relato do caso Em 2013, uma paciente do sexo feminino, de 22 anos, relatou história de xantomas no tendão de Aquiles e crise epiléptica parcial complexa nos últimos 10 anos. Ela evoluiu com dificuldade progressiva na capacidade de aprendizado e andar. Associada a essa apresentação clínica, ela relatou história de cirurgia bilateral para catarata aos 14 anos e esteatorreia. No exame físico, os xantomas foram observados principalmente na região do tendão de Aquiles, bilateralmente, mas também no cotovelo e joelho direitos (Figura 1). O exame neurológico revelou discreta dismetria e disdiadococinesia, dificuldade na realização do teste de caminhada em linha reta e hiperreflexia patelar bilateral e simétrica. Não havia anormalidades nos exames de força ou sensibilidade. A ressonância magnética do cérebro mostrou uma área focal de 1,4 cm, com hipersinal nas sequências ponderadas em T2 e hipossinal nas sequências ponderadas em T1, sem realce de contraste. O ecodopplercardiograma transtorácico mostrou dilatação moderada e disfunção ventricular esquerda regional, resultando em comprometimento moderado da função sistólica e insuficiência mitral leve. A ultrassonografia abdominal demonstrou a presença de colelitíase. A paciente, portanto, apresentava achados clínicos e radiológicos compatíveis com a XCT. O diagnóstico foi confirmado pela descoberta de um nível sérico elevado de colestanol de 31,79 mcg/mL. Ela iniciou o tratamento com CDCA no mesmo ano. Em2017, ela foi submetida a umnovo exame cardiovascular. Uma ressonância magnética cardíaca foi realizada e revelou um ventrículo esquerdo dilatado, associado a disfunção ventricular esquerda leve (fração de ejeção do ventrículo esquerdo = 47%) como consequência de acinesia da parede basal média inferior e discinesia nas paredes anterior e anterior-septal do ventrículo esquerdo. Essas regiões apresentaram comprometimento da perfusão na avaliação dinâmica baseada em gadolínio e presença de realce tardio transmural com gadolínio (Figura 2). Correspondência: Maria Julia Silveira Souto • Universidade Federal de Sergipe – Avenida Marechal Rondon, s/n. CEP 49100-000, São Cristovão, SE – Brasil E-mail: souto.mjulia@gmail.com Artigo recebido em 09/07/2019, revisado em 05/10/2019, aceito em 13/09/2019 Palavras-chave Xantomatose Cerebrotendinosa; Colesterol; Colestanol; Ácido Quenodesoxicólico/efeitos adversos; Doença da Artéria Coronariana/cirurgia; Diagnóstico por Imagem; Criança; Adolescente. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190456 18

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