ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Minieditorial Distúrbios do Sistema de Condução Atrioventricular e Potenciais Riscos de Eventos Arrítmicos em Atletas de Alta Resistência Atrioventricular Conduction System Disorders and Potential Risks of Arrhythmic Events in Endurance Athletes Carlos Alberto Cordeiro Hossri 1,2, 3 Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, 1 São Paulo, SP - Brasil Hospital do Coração, 2 São Paulo, SP – Brasil HCor - Associação Beneficiente Síria, 3 São Paulo, SP - Brasil Minieditorial referente ao artigo: Avaliação do Tempo de Condução Atrioventricular Dinâmica para Acoplamento ao Intervalo RR em Atletas e Indivíduos Sedentários Correspondência: Carlos Alberto Cordeiro Hossri • Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – Av. Dr. Dante Pazzanese, 500. CEP 04012-909, São Paulo, SP – Brasil E-mail: cahossri@gmail.com Palavras-chave Atletas; Treinamento de Resistência; Aptidão Física; Remodelação Ventricular; Sedentarismo; Arritmias Cardíacas; Eletrocardiografia/métodos; Função Ventricular. Algumas alterações eletrocardiográficas são comumente observadas em atletas de alta resistência ou alto rendimento e, por vezes, apresentam características semelhantes às observadas em indivíduos idosos ou com doença cardiovascular. 1-4 O treinamento de elevada intensidade em atletas de alto rendimento pode induzir adaptações fisiológicas intrínsecas ao sistema de condução do estímulo cardíaco e, consequentemente, maior prevalência de anormalidades na condução atrioventricular (AV). 3,5 Os mecanismos fisiológicos ou mesmo fisiopatológicos pelos quais o treinamento atlético induz tais alterações intrínsecas no sistema de condução cardíaca ainda apresentam entendimento limitado, e provavelmente devemsermultifatoriais. No entanto, as alterações anatômicas observadas, como dilatação atrial e ventricular, demonstraram a criação de um remodelamento mecânico-elétrico necessário para causar adaptações eletrofisiológicas AV intrínsecas. 4-6 Dentre as expressões eletrocardiográficas mais comuns, consequentes das alterações cardíacas induzidas por esportes de alto desempenho e altos níveis de treinamento, incluem-se a bradicardia sinusal e obloqueioAV. Habitualmente, não requerem cuidados ou atenção especial desde que sejam assintomáticas ou não produzam pausas superiores a 4 segundos. O bloqueio AV de 1º grau é mais habitual, seguido do bloqueio AV de 2º grau tipo Mobitz I. Já o tipo II e o bloqueio atrioventricular de 3º grau são achados mais incomuns, mesmo em atletas, e devem ser considerados como um sinal de possíveis lesões orgânicas. A ocorrência de formas ventriculares complexas de arritmia deve sempre levar a exame cardiológico em busca de substrato cardiogênico, especialmente a cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada. A presença de arritmias ventriculares sem evidência de doença cardíaca subjacente parece não indicar um risco especial ou aumentado de morte cardíaca súbita. Maior incidência de hipertrofia ventricular direita e/ou esquerda, elevação do segmento ST (repolarização precoce) e alterações lábeis da onda T, ambas reversíveis ao exercício e consideradas fisiológicas no ECG de atletas. O treinamento físico de endurance ou de grande monta expõe o coração a intensas sobrecargas ao longo do tempo. Essas constantes exposições ao treinamento intenso podem gerar alterações no automatismo cardíaco como descrito, além das alterações da condução atrioventricular, despolarização e repolarização ventricular. 1,2,6 Adicionalmente, esses ajustes estruturais cardíacos podem ser marcantes e levar a aumentos de até 85%namassa do ventrículo esquerdo. Embora essas alterações funcionais e estruturais sejam documentadas, ainda são desconhecidos os seus limites reais dentro de padrões considerados normais, bem como suas consequências em longo prazo. Stein et al., 5 descreveram ações do treinamento de alto rendimento como corolário de seus efeitos no nó sinusal, onde o aumento do tônus parassimpático, a redução do tônus simpático e os componentes não autonômicos podem contribuir para a bradicardia sinusal e adaptações no sistema especial de condução cardíaca. Tais mecanismos levam a maior prevalência de anormalidades na condução intrínseca atrioventricular observada em atletas. Em atletas de elite, além da predominância do tônus vagal e, consequentemente, da bradicardia em repouso, que aumentam os valores absolutos da duração do intervalo QT, 7,8 um aumento na massa do ventrículo esquerdo é considerado um fenômeno fisiológico benigno, também conhecido como “coração de atleta”. Observações feitas, como intervalo QT ligeiramente prolongado isolado em atletas, podem refletir a repolarização tardia resultante do aumento da espessura da parede ventricular 8,9 e/ou da bradicardia, tanto como reflexo do treinamento quanto eventualmente como forma de comprometimento no sistema de condução especial do estímulo cardíaco. 10,11 Frequentemente, esses atletas de alta demanda apresentam remodelamento do nó AV, caracterizado por vários graus de bloqueio de condução AV, ritmo atrial ou juncional baixo não-sinusal e, mais raramente, bloqueio AV completo. 1,2,6,9 Esses distúrbios da condução AV dependem do status do condicionamento físico e estão relacionados não apenas ao aumento da atividade parassimpática sobre o nó AV, mas também ao remodelamento secundário das fibras do nó AV e ao acoplamento célula a célula. 8,9 Assim, a análise das contribuições autonômicas para a dependência da variabilidade da duração dinâmica da repolarização ventricular (VRD) pode ser uma ferramenta valiosa para avaliar a adaptação da VRD à duração do ciclo cardíaco nessa população. 12 DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200668 78

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=