ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Minieditorial Minieditorial: Características Clínicas da Hipertensão Arterial Resistente versus Refratária em uma População de Hipertensos Afrodescendentes Short Editorial: Clinical Characteristics of Resistant vs. Refractory Hypertension in a Population of Hypertensive Afro-descendants Rui Póvoa 1 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), 1 São Paulo, SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Características Clínicas da Hipertensão Arterial Resistente vs. Refratária em uma População de Hipertensos Afrodescendentes Correspondência: Rui Póvoa • Universidade Federal de São Paulo - Rua Professora Carolina Ribeiro, 221 apto 91. CEP 04116-020, São Paulo, SP – Brasil E-mail: rmspovoa@cardiol.br Palavras-chave Hipertensão/complicações; Grupo com Ancestrais do Continente Africano/genética; Estudo Comparativo; Epidemiologia; Infarto do Miocárdio; Acidente Vascular Cerebral. As diferenças do comportamento clínico da hipertensão arterial (HA) nas diversas etnias são, há muito tempo, objetos de intensa investigação científica. As estatísticas da American Heart Association de 2015 verificaram que os afrodescendentes americanos têm a maior prevalência de hipertensão do mundo. Em homens e mulheres negros, não hispânicos, a prevalência ocorreu em 44,9% e 46,1%, respectivamente. 1 Embora tais números não sejam universais para todas as populações negras, existem grupos em que os níveis pressóricos são muito mais elevados, como os negros sul-africanos, nos quais a pressão arterial sistólica é 9,7 mmHg mais elevada em comparação aos afro-americanos. 2,3 As lesões a órgãos-alvo e as complicações são mais prevalentes nos negros em comparação aos brancos ou hispânicos para os mesmos níveis de pressão, além de apresentarem maior resistência ao tratamento. 4,5 A hipertensão resistente (HR) e a refratária (HRf) acometem uma proporção não desprezível dos pacientes hipertensos. No Brasil, de acordo com o estudo ReHOT, a prevalência é de 11,7% dos hipertensos. 6 Ainda se discute muito se a HR e a HRf são fenótipos ou gradações diferentes de uma mesma doença. De modo similar a simples HA que podemos controlar com até três fármacos, a etiopatogenia é multifatorial, e têm importância os fatores genéticos e ambientais. Entre os fatores ambientais, a ingesta de sal e/ou a não excreção salina adequada pelos rins são elementos preponderantes do não controle pressórico. Isso é corroborado no elegante estudo PATWAY-2, que avaliou o quarto fármaco no fluxograma da terapêutica anti-hipertensiva e discriminou a espironolactona como um dos fármacos mais importantes nesse estágio do tratamento. 7 Na sequência, o estudo PATWAY-2 Mechanistic encontrou efeitos similares com o cloridrato de amilorida, ambos diuréticos. 8 Em vista deste aspecto multifatorial da HA, envolvendo causas genéticas e ambientais, evidenciam-se algumas particularidades, principalmente com relação à gravidade em determinados grupos étnicos. Os indivíduos afrodescendentes, além de teremmaior prevalência de HA e consequências mais graves da doença, apresentam maiores lesões a órgãos-alvo e maior morbimortalidade de causa cardiovascular. 9 Isso é bem evidente nos afrodescendentes americanos; contudo, em nossa miscigenada população, não temos estudos robustos para averiguar tais diferenças. Neste trabalho de Macedo et al., 10 Características Clínicas da Hipertensão Arterial Resistente versus Refratária em uma População de Hipertensos Afrodescendentes, verificou-se nessa população que a HRf é comum, tendo maior prevalência de dislipidemia, história de acidente vascular cerebral (AVC) e maior lesões a órgão-alvo. 10 Os achados parecem redundantes e muito similares aos de afrodescendentes americanos, mas refere-se a um achado commuito significado epidemiológico que pode levantar hipóteses para outros estudos que possam decifrar o grande enigma das diferenças da hipertensão em diversos grupos étnicos. Acredita-se que os afrodescendentes brasileiros sejam diferentes dos americanos e muito parecidos com os negros nativos da África, com exceção da África do Sul. 2 Provavelmente, isso temmuito a ver com o tráfico de escravos da África para a América. Sabemos que alguns negros têm, geneticamente, algumas particularidades no sistema renina- angiotensina-aldosterona, com pouca atividade de renina e com uma massa de néfrons menor, e, com isso, menos sódio excretado. Sem conhecer qualquer aspecto fisiopatológico, os escravagistas ingleses lambiam o suor do negro para ver se era salgado ou não, e assim escolher indivíduos preferenciais para o transporte nos porões das naus, sem condições de alimentação e hidratação. 11-13 Aqueles que conseguiam sobreviver à travessia do Atlântico eram justamente os que apresentavam um sistema de retenção de sódio e água mais eficiente. Assim, no Novo Mundo, com excesso de sal na alimentação, diferentemente da terra natal, evoluíam para uma hipertensão mais grave. Esse caminho do tráfico de pessoas da África para a América do Norte é quase o dobro da distância para o Brasil e, por isso, a seleção dos africanos no Brasil não foi tão acentuada como a americana. No entanto, DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200344 40

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