ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Artigo Original Macedo et al. Hipertensão resistente em afrodescendentes Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):31-39 Como parte do protocolo de atendimento e seguimento, no mínimo uma Monitoração Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) é realizada para avaliar a possibilidade do efeito do avental branco como causa de possível pseudorresistência ao tratamento da HAS. Para avaliar a adesão à terapia, utilizou-se o questionário de Morisky (MMAS-8). O nível de adesão foi determinado pela pontuação resultante da soma de todos os acertos: alta adesão (8 pontos), média adesão (6 a <8 pontos) e baixa adesão (<6 pontos). 25,26 Análise estatística Para análise estatística, foram utilizados o software Microsoft Office Excel 2010 e o SPSS (versão 20.0). Foi realizada uma análise descritiva univariada das características da população investigada e uma análise bivariada (teste do χ 2 de Pearson) para estimar a associação entre a variável dependente (HR ou HRf) e a variável independente principal (Presença de Aterosclerose, Hipertrofia Ventricular Esquerda e Eventos Cardiovasculares — IAM ou AVC). As variáveis ​contínuas estudas (PAS, PAD, tempo de diagnóstico de HAS e tempo de seguimento ambulatorial) apresentaram distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e foram comparadas entre os grupos HR e HRf através do teste t de Student não pareado. As variáveis categóricas têm suas frequências representadas em percentuais e as variáveis contínuas são apresentadas em suas médias e desvio-padrão. O nível de significância admitido foi de 5%. Resultados Foram avaliados 146 pacientes, dos quais 68,7% eram do sexo feminino e 88,4% eram de ascendência africana (pardos e negros), com média de idade de 61,8±12,1 anos. A média de tempo desde o diagnóstico de hipertensão foi de 21,2±12,5 anos (mediana=18 anos), e os pacientes eram acompanhados no ambulatório há uma média de 11,1±8,5 anos (mediana=10 anos). Houve alta prevalência de fatores de risco para doença cardiovascular: 34,2% dos indivíduos apresentou diabetes mellitus , 69,4% dislipidemia, 36,1% obesidade, 38,3% história de tabagismo e 61% risco moderado/alto risco para eventos cardiovasculares pelo ERF. História de IAM prévio foi encontrada em 21,8% dos participantes e acidente vascular cerebral em 19,9%. Anormalidade da função renal (TFG<60mL/min) foi identificada em 34,2%. A PAS foi considerada controlada em 29,5% e a PAD em 50,4% da população total estudada, com média de 152,1±28,0 e 88,0±7,6 mmHg, respectivamente, para PAS e PAD. Os participantes utilizaram uma média de 4,8±1,1 agentes anti-hipertensivos, sendo que 80,8% deles receberam prescrição da combinação recomendada de inibidores da ECA ou BRA + BCC + diurético tiazídico, independentemente da associação com outras drogas. Adesão boa ou moderada à terapia de acordo com o questionário MMAS-8 foi encontrada em 61% dos pacientes. Após a avaliação dos participantes de acordo com a forma fenotípica de apresentação da HAS, 51% foram categorizados como HRf. A idade foi significativamente menor entre os pacientes com HRf quando comparados aos pacientes com HR (média de idade=59,4±11,7 anos versus 64,1±12,2 anos, respectivamente, p=0,02). A Tabela 1 mostra a distribuição dos pacientes de acordo com a classificação como HR ou HRf. Em nossa população, o grupo HRf apresentou maior proporção de indivíduos com idade até 60 anos, dislipidemia e história de AVC. Além disso, o grupo HRf apresentou médias mais altas de PA, e o tempo médio de diagnóstico de HAS tendeu a ser maior em pacientes com HRf; no entanto, isso não alcançou significância estatística (Tabela 2). Em relação ao uso de anti-hipertensivos, houve maior proporção de uso de BRA e, portanto, menor proporção de uso de IECA. Houve também uma maior frequência de uso de BCC e betabloqueadores em indivíduos com HRf, quando comparados à HR (Figura 1). A Figura 2 mostra que o uso da combinação de ACEi/BRA+BCC+diurético tiazídico foi significativamente maior em pacientes com HRf. A espironolactona foi utilizada por 49,3% dos participantes. Entre os pacientes que utilizaram um diurético tiazídico, 34,5% dos pacientes usaram clortalidona como opção. A Figura 3 mostra que o uso de clortalidona e espironolactona também foi significativamente maior entre indivíduos com HRf. Discussão O grupo de indivíduos predominantemente de ascendência africana com HR é uma população com alto RCV, o que é mostrado por uma alta proporção de participantes (51%) categorizados como HRf, uma apresentação fenotípica associada a uma maior gravidade de HAS de acordo com estudos prévios. 7,8,16,27 A prevalência de HRf foi estimada em um número limitado de estudos, variando de cerca de 3% em uma população geral de indivíduos com HAS a até 31%, em indivíduos com HR verdadeira com acompanhamento em uma clínica especializada. 7,8,16 Esses estudos, no entanto, não usaram uma definição padrão de HRf. Sabe-se que a predominância de etnias negras e pardas está relacionada à gravidade da hipertensão e provavelmente contribuiu para a alta prevalência de HRf em nossa amostra. A etnia negra tem sido frequentemente associada à HR. Cushman et al., 28 relataram uma associação entre etnia afro‑americana e resistência ao tratamento anti-hipertensivo, ao avaliar dados do estudo ALLHAT. 28 Essa associação também foi descrita no estudo brasileiro ELSA, onde a etnia negra foi associada à HR em uma população em tratamento para HAS. 18 Por sua vez, com base nos dados da coorte do estudo REGARDS, onde a etnia afro-americana foi o principal preditor de HR, Calhoun et al., 7 relataram que, em comparação à HR, as razões de prevalência para HRf foram significativamente maiores em negros (RP=3,00; IC 95%=1,68-5,37). 7 Esses dados apoiam nossos achados de uma alta prevalência de HRf em uma população com a maioria dos indivíduos de ascendência africana. A predominância de pardos e negros em nossa amostra pode ser atribuída ao fato de se tratar de um ambulatório público, atendendo à população de baixa renda, que em nossa região é composta por uma maioria de etnias pardas e negras. A prevalência de obesidade (36,1%), história de tabagismo (37%), diabetes mellitus (34,2%) e dislipidemia (69,4%) reflete uma população de alto RCV, como seria de se esperar em indivíduos com HR. Esse alto RCV em nossa população 33

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=