ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Artigo Original Macedo et al. Hipertensão resistente em afrodescendentes Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):31-39 Introdução A alta proporção de indivíduos com hipertensão arterial sistêmica (HAS) que não atingem as metas terapêuticas adequadas tem impacto direto sobre a morbidade, a mortalidade, a incapacidade e os custos com saúde. 1-3 Mesmo com o uso adequado de anti-hipertensivos, um número significativo de pacientes permanece com pressão arterial (PA) elevada, condição caracterizada como Hipertensão Resistente (HR) e definida como a persistência da PA elevada apesar do uso de três drogas anti-hipertensivas de diferentes classes, ou quando o controle da PA ocorre apenas com o uso de quatro ou mais drogas, incluindo-se sempre um diurético tiazídico. 2-5 Um subgrupo de pacientes com HR exibe uma apresentação fenotípica de aparente maior gravidade, na qual a PA não é controlada mesmo com o uso de cinco ou mais medicamentos, situação atualmente definida como Hipertensão Refratária (HRf). 2,6-8 O uso de uma associação de Inibidor da Enzima Conversora da Angiotensina (IECA) ou Bloqueador do Receptor de Angiotensina (BRA), Bloqueador dos Canais de Cálcio (BCC) e diurético tiazídico tem sido recomendado como a base da terapia farmacológica da HR. 2,3,5,9 A estimativa da real prevalência da HR é incerta, dificultada pela presença de fatores que determinam a pseudorresistência, como adesão inadequada à terapêutica e ao efeito do jaleco branco. 9-12 Alguns estudos relatam uma proporção de 11 a 33% de hipertensos resistentes entre aqueles com HAS variando de acordo com as características da população e dos critérios de definição. 9,13,14 A prevalência de HRf entre os pacientes com HR é ainda menos conhecida, estimada entre 3 e 31% em alguns estudos. 6 Diferenças fisiopatológicas nos mecanismos envolvidos na resistência ao tratamento da hipertensão na HR e na HRf têm sido descritas. 14 Alguns estudos apontam para um aparente pior prognóstico, maior prevalência de lesão a órgãos-alvo e risco aumentado de eventos cardiovasculares em pacientes com HR quando comparados a pacientes com hipertensão não resistente. 6,15,16 Em indivíduos negros, a hipertensão tende a manifestar-se de forma mais grave, apresentando maior dificuldade de controle e maior probabilidade de complicações e lesão de órgãos-alvo. 17 Há, no entanto, uma lacuna na literatura na avaliação da associação entre HR e indivíduos de ascendência africana, 18 a qual pode ser atribuída a fatores genéticos, ambientais ou mesmo fatores locais. 7,19,20 Opresente estudo tem como objetivo, portanto, comparar características clínicas e epidemiológicas e prevalência de eventos cardiovasculares em afrodescendentes com diagnóstico de HR ou de HRf. Aprimorar o conhecimento dessas características nessa população específica, incluindo aspectos demográficos, sociais, étnicos, condições de acesso a serviços de saúde e distribuição de medicamentos, poderá contribuir para o planejamento de estratégias visando reduzir o impacto negativo dessa importante condição clínica na saúde desses indivíduos. Métodos Trata-se de um estudo transversal, realizado em ambulatório de referência para Doença Cardiovascular Hipertensiva Grave em um Hospital Universitário da cidade de Salvador, Bahia. A população foi composta por pacientes adultos com diagnóstico de HR acompanhados regularmente no ambulatório entre novembro de 2012 e dezembro de 2015. A amostra foi por conveniência, sendo selecionados consecutivamente durante as visitas de rotina todos os pacientes que concordaram em participar do estudo, assinando um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local, estando em conformidade com a resolução 466/12 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Foram considerados como tendo HR os pacientes com PA não controlada (pressão arterial sistólica – PAS≥140mmHg e/ou pressão arterial diastólica – PAD≥90mmHg), apesar do uso de três anti-hipertensivos com ações sinérgicas nas doses máximas recomendadas e toleradas, sendo um deles preferencialmente um diurético tiazídico, ou aqueles com PA controlada, utilizando 4 drogas anti-hipertensivas sinérgicas e em doses adequadas, incluindo também um diurético tiazídico. 2 Pacientes com PAS≥140mmHg e/ou PAD≥90mmHg em uso de cinco ou mais classes de anti‑hipertensivos foram considerados portadores de HRf. 7 Amedida da pressão arterial foi realizada durante a consulta médica de rotina, após cinco minutos de repouso, com as costas apoiadas em posição sentada, pernas não cruzadas e o braço apoiado ao nível do coração. Duas medidas foram realizadas, uma antes e outra após a entrevista, com intervalo mínimo de cinco minutos. A média das duas aferições foi utilizada como valor de referência para a PA do paciente. As aferições foram realizadas com um esfigmomanômetro oscilométrico automático Omron HEM 711 DLX, validado pela British Hypertension Society (BHS) e pela Association for Advancement of Medical Instrumentation (AAMI). 21,22 Uma equipe treinada coletou, através de entrevista estruturada e revisão dos prontuários, informações sobre dados demográficos e clínicos, avaliação clínico- cardiológica, histórico de eventos cardiovasculares, medicamentos, exames laboratoriais e fatores relacionados ao estilo de vida. O risco cardiovascular (RCV) foi estimado pelo escore de risco de Framingham (ERF). A etnia foi autodeclarada de acordo com os padrões brasileiros de branco, preto ou pardo. A presença de eventos cardiovasculares prévios foi definida por história positiva de acidente vascular cerebral (AVC) ou infarto agudo do miocárdio (IAM) relatado pelo participante ou familiar e/ou quando presente no prontuário. A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada pela equação de Cockcroft‑Gault (GFRe-CG). 23 Para os indivíduos com sobrepeso ou obesidade, utilizou-se o fator de correção sugerido por Saracino et al., 24 (GFRe-CGcorrected) A função renal foi considerada anormal quando TFG<60 ml/min. Para a classificação de sobrepeso e obesidade foi considerado o valor de índice de massa corporal (IMC) maior que 25 e 30kg/m², respectivamente. 32

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