ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Artigo Original Oliveira-Junior et al. Efeitos do losartan na obesidade Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):17-28 função sistólica é afetada por diferentes fatores, incluindo-se frequência cardíaca, contratilidade, além de mudanças na pré e pós-carga. 33 Embora a obesidade não tenha modificado a frequência cardíaca e a geometria ventricular, maiores medidas de parede poderiam preservar, ou ainda, diminuir a pré-carga. Nesse estado, entretanto, a reduzida pré-carga poderia causar menor ejeção, 11,33 o que não foi confirmado pelos resultados. Provavelmente, o maior desempenho sistólico se associa com hipertrofia ventricular e/ou mudanças na pós-carga no grupo OB. Cabe dizer que a pós-carga é uma variável mecânica diretamente influenciada por alterações na pressão e no diâmetro intraventricular e inversamente relacionada com a espessura da parede ventricular. 33,34 Entretanto, a avaliação da função papilar mostrou que a obesidade, per se , não se associou com alterações basais, nem em resposta a diferentes concentrações de Ca 2+ e isoproterenol. Estudo prévio mostrou diminuição da força contrátil e outros distúrbios funcionais em condições basais de músculos papilares de obesos. 35 Lima-Leopoldo et al. 7 mostraram que a elevação da concentração extracelular de Ca 2+ resultou em menor resposta nos índices de função miocárdica na contração (TD) e no relaxamento (-dT/dt) na obesidade. Essas divergências podem ter relação com diferenças na composição das dietas, incluindo-se acréscimo de açúcar 7 e/ou perfil lipídico constituinte das formulações. Utilizando modelo similar ao do presente trabalho, Vileigas et al. 16 também constataram ausência de diferenças na função miocárdica em preparação de músculo papilar na condição basal e após acréscimo de isoproterenol. Quanto à avaliação de potencial pós-pausa (PPP), pode-se afirmar que a obesidade promoveu disfunção miocárdica, muito provavelmente, em razão de alterações no trânsito intracelular de Ca 2+ . A manobra de 60s reduziu a TD, +dT/dt e -dT/dt no miocárdio de ratos obesos (Figura 3). Os dados são consistentes com estudo prévio que mostrou menor resposta contrátil em ratos obesos Zucker após 60s de PPP. 35 Como -dT/dt é influenciada pela frequência de absorção de íons cálcio pelo retículo sarcoplasmático, 7 a menor recaptura de Ca 2+ demonstrada pela -dT/dt nos ratos obesos sugere que a atividade da proteína SERCA2 foi deprimida. A diminuição da -dT/dt com altas concentrações citosólicas de Ca 2+ sugere que a ativação da SERCA2 via Ca 2+ - calmodulina cinase pode ser deprimida pela obesidade. A redução significativa da TD nos ratos obesos poderia ser resultante de redução de Ca 2+ no retículo sarcoplasmático e também de menor liberação de Ca 2+ por meio dos receptores rianodínicos . Provavelmente, os distúrbios no trânsito Ca 2+ e na contratilidade miocárdica em obesos decorrem da estimulação do SRAA. Quando comparados aos grupos OB e CL, os animais do OL mostraram melhor desempenho contrátil em resposta às manobras de elevação de Ca 2+ , PPP e isoproterenol (Figuras 2-4). Considerando-se a manutenção de elevada VEPP e o comportamento mecânico do músculo papilar na vigência de losartan, é provável que o desempenho sistólico tenha sido regulado por maior sensibilidade ao Ca 2+ no grupo OL. Nessa perspectiva, não se pode descartar um possível efeito metabólico do bloqueio de AT 1 , propiciando maior eficiência energética a partir da combustão melhorada de macronutrientes, em especial, lipídeos. 24,36 Excessiva oferta de ácidos graxos pode culminar emmaior atividade mitocondrial, estimulando mecanismos relacionados com aumento no trânsito de Ca 2+ . 19,23 Em experimento prévio, intervenção com losartan resultou na inibição de mecanismos moleculares de resistência à insulina no miocárdio, normalizando também o desempenho contrátil do coração em ratos obesos por dieta de cafeteria. 11 Recentemente, o bloqueio de AT 1 culminou em melhora na função mitocondrial em ratos obesos com resistência à insulina. 37 Nessa perspectiva, as repercussões clínicas dos achados deste estudo são variadas. Condições de ativação do SRAA têm sido associadas a desordens metabólicas e cardiopatias. 23 No presente trabalho, tem-se a descrição de distúrbios de resposta contrátil que possibilitam a proposição de intervenções voltadas ao tratamento cardiovascular em obesos. Não obstante, embora esses efeitos tenham sido amenizados com antagonismo de AT 1 , não está descartada a participação de outras variáveis, comuns à dieta hiperlipídica de forma isolada, como causa de remodelação cardíaca. Em estudo prévio, 8 mostramos que o consumo aumentado de lipídeos tem relação direta com indicadores de resposta cardiovascular na obesidade. Nesse sentido, essa é uma importante limitação do trabalho e novas investigações devem ser desenvolvidas para melhor esclarecer o papel isolado de ácidos graxos saturados e insaturados no presente modelo experimental. Conclusão Os resultados permitem concluir que a obesidade induzida por dieta promove remodelação cardíaca, sustentada por hipertrofia ventricular e disfunção miocárdica. Considerando- se que o Losartan amenizou grande parte dessas desordens, confirma-se a hipótese inicial desta investigação, segundo a qual a estimulação de receptores AT 1 está associada com prejuízos na função miocárdica em ratos obesos. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Oliveira-Junior SA, Okoshi MP, Martinez PF; Obtenção de dados: Muzili NA, Carvalho MR, Ota GE, Morais CS, Vieira LFC, Ortiz MO, Campos DHS, Cezar MDM, Okoshi K; Análise e interpretação dos dados: Oliveira-Junior SA, Campos DHS, Cezar MDM, Okoshi MP, Okoshi K, Cicogna AC, Martinez PF; Análise estatística e redação do manuscrito: Oliveira-Junior SA; Obtenção de financiamento: Oliveira-Junior SA, Martinez PF; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Okoshi MP, Okoshi K, Cicogna AC, Martinez PF. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq processo nº 422776/2016-5) e UFMS. 26

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