ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Ponto de Vista Silva Função diastólica em atletas Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):134-138 de ecocardiografia e à história clínica dos pacientes podem chegar a um diagnóstico correto e mais refinado da função diastólica nessa população. Exemplo 1: masculino, 16 anos, jogador de futebol (o mesmo paciente da Figura 1). Analisando somente o padrão de fluxo mitral desse atleta temos uma relação E/A de 2,25 e um tempo de desaceleração da onda E (TDE) de 138ms, o que caracterizaria um padrão de fluxo mitral do tipo restritivo, não compatível com a clínica de um jovem esportista. Prosseguindo a investigação, observamos ao Doppler tecidual o valor da onda e’ septal de 0,17m/s e da onda e’ lateral de 0,18m/s. A relação E/e’ foi de 7,01 a velocidade do refluxo tricúspide de 1,33m/s e o volume indexado do átrio esquerdo de 27,9ml/m 2 (Figura 2). Todas as medidas dentro da normalidade, configurando então umpadrão de fluxomitral do tipo supranormal, frequentemente encontrado em jovens e atletas. Exemplo 2: masculino, 48 anos, fisiculturista e corredor. O estudo inicial com ecocardiograma tridimensional não apresentou alteração anatômica significativa. Na avaliação da função diastólica observou-se relação E/A de 1,12, velocidades de e’ septal e lateral estimadas em 0,05m/s e 0,07m/s, respectivamente, relação E/e’ de 10,3, volume indexado do átrio esquerdo de 17,9ml/m 2 e velocidade do refluxo tricúspide de 2m/s (Figura 3). Avaliando a função diastólica desse paciente segundo as diretrizes de 2016, dos quatro critérios maiores, apenas um encontra-se fora da normalidade (velocidades do anel mitral ao Doppler tecidual), o que classificaria a função diastólica como normal. Entretanto, chama à atenção os valores alterados das velocidades do anel mitral em um atleta assintomático. Aprofundando a anamnese, o paciente relatou que fazia uso constante de esteroides anabolizantes (propionato de testosterona 30mg, fempropionato de testosterona 60mg, isocaproato de testosterona 60mg, decanoato de testosterona 100mg - Durateston®). Realizando então o estudo da deformação miocárdica pela técnica do speckle tracking verificou-se diminuição do strain longitudinal global (-15,4%) como mostra a figura 4. Essa informação modifica totalmente a análise da função diastólica nesse paciente. O fato de ter disfunção sistólica documentada pelo speckle tracking direciona a investigação para o segundo algoritmo das diretrizes de 2016 (Pacientes com FE diminuída e pacientes com doença miocárdica e FE normal, após considerar dados clínicos e ecocardiográficos). Um valor do strain tão baixo nos leva a pensar em algum grau de disfunção miocárdica emdecorrência do uso de esteroides, comprometendo as funções sistólica e diastólica. Segundo as novas diretrizes, não devemos ter disfunção sistólica sem, ao menos, um grau de disfunção diastólica presente pela intrincada relação entre elas. Esse não é um conceito novo. Já em 2008, Lester et al., 7 ressaltavamque, “pelo o fato dos parâmetros ecocardiográficos que avaliam a função diastólica seremderivados do Doppler, e os que avaliam a função sistólica serem derivados do estudo bidimensional podemos criar a ilusão de que é possível ter disfunção diastólica isolada”. Portanto, de acordo com as diretrizes de 2016, ao invés de função diastólica normal, diagnosticamos a presença de disfunção diastólica leve nesse atleta. A população de atletas competitivos e pessoas altamente ativas está em franco crescimento. 8 Relatos recentes extrapolam as causas de remodelamento cardíaco induzido pelo exercício para além da estrutura ventricular passando Figura 1 – À esquerda corte apical de 4 câmaras ao eco bidimensional. À direta padrão do fluxo mitral ao Doppler em atleta jovem.AAE = apêndice atrial esquerdo;AD: átrio direito;AE: átrio esquerdo; E/AVM: relação E/Ada valva mitral; T.Des. VM: tempo de desaceleração da onda E do fluxo mitral; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo. A B 135

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