ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Ponto de Vista Uso Apropriado das Novas Diretrizes de Função Diastólica na Avaliação de Atletas. Nem Sempre é o que Parece Ser Appropriate Use of Diastolic Function Guideline When Evaluating Athletes: It is not Always what it Seems to Be Carlos Eduardo Suaide Silva 1 Diagnósticos da América SA – Cardiologia, 1 São Paulo, SP - Brasil A correta avaliação da função diastólica pela ecocardiografia tem sido sempre um grande desafio para os cardiologistas que trabalham com o método. Em parte, pelas mudanças frequentes nas diretrr izes decorrentes da grande quantidade de novas informações a respeito de tão complexo assunto, em parte por certa confusão gerada pelas próprias diretrizes, muitas vezes contraditórias ou pouco explicativas. 1 Entretanto, estamos caminhando para um maior entendimento do que ocorre nessa importante fase do ciclo cardíaco. A última diretriz de função diastólica publicada em 2016, apesar de ainda apresentar algumas incoerências e nos deixar com algumas dúvidas em determinadas situações clínicas, veio esclarecer diversos pontos e corrigiu algumas distorções da diretriz anterior. 2 Como sempre acontece na medicina, toda vez que temos alguma mudança de paradigma, ou uma nova entidade clínica é descoberta, passamos inicialmente por uma fase de exagero no diagnóstico seguida por uma fase de descrédito para finalmente atingirmos o equilíbrio com a maturidade e o conhecimento adquirido com o tempo. Foi assim com o prolapso da valva mitral, que apresentava incidência de mais de 35% em mulheres jovens no início dos anos 1970 e que hoje sabemos ser de aproximadamente 2,4% sem diferença entre os sexos. 3 O mesmo ocorreu com o diagnóstico de não-compactação ventricular e diversas outras entidades clínicas e, porque não dizer, com o diagnóstico de disfunção diastólica. Quantos idosos absolutamente saudáveis não foram diagnosticados com disfunção diastólica leve (grau I) por apresentar apenas inversão da relação E/A no fluxo mitral ao Doppler? Almeida et al., 4 verificaram o impacto da utilização da diretriz de 2009 em relação à de 2016 no diagnóstico de disfunção diastólica nessa população (1000 indivíduos com mais de 45 anos) e encontraram apenas 1,4% de disfunção diastólica onde haveria 38,2% usando a diretriz anterior. Dessa forma, com essa nova diretriz parece que chegamos a esse equilíbrio e com a aplicação correta de seus critérios diminuímos significativamente esse exagero no diagnóstico de disfunção diastólica, principalmente na população idosa. Entretanto, talvez ainda deixemos de fazer esse diagnóstico, felizmente em número bem menor de casos, em outras situações clínicas. Particularmente em atletas, a função diastólica precisa ser avaliada com mais atenção. O exercício é um forte estímulo para a adaptação muscular e há bastante evidências que comprovam que o mesmo é responsável por mudanças na forma e no débito cardíacos. 5 As adaptações impostas ao coração dependem, evidentemente, do tipo de exercício realizado. Assim, didaticamente falando, atletas que realizam exercícios de resistência (dinâmicos) e que trabalham em altas frequências cardíacas, como os maratonistas ou nadadores, sofrem adaptações diferentes daqueles que fazem exercícios isométricos (estáticos) onde a frequência cardíaca é mais baixa e há predominante aumento da pressão arterial, como ocorre com halterofilistas. Na prática, grande parte dos exercícios são mistos como ocorre com ciclistas e remadores, por exemplo. No primeiro grupo (maratonistas), onde o débito cardíaco pode chegar a até dez vezes o valor de repouso, o coração precisa se adaptar de diversas maneiras, seja partindo de uma frequência cardíaca basal muito baixa (bradicardia), seja aumentando seu volume sistólico (hipertrofia excêntrica), seja tornando mais efetiva a sua função de bomba extraindo o máximo de suas funções sistólica e diastólica. A diástole desses atletas precisa ser extremamente eficiente porque em alta frequência cardíaca ela se encurta e o coração tem pouco tempo para se encher. Por isso, assim que a valva mitral se abre o ventrículo esquerdo precisa se encher rapidamente, apresentar um relaxamento extremamente eficaz e “sugar” a maior quantidade de sangue possível para gerar uma sístole efetiva. Isso explica a ampla onda E do fluxo mitral ao Doppler seguida de uma pequena onda A (pois sobra pouco sangue para entrar no ventrículo na telediástole) gerando um padrão de fluxo semelhante em morfologia ao padrão restritivo, mas que reflete, na realidade, uma diástole supranormal 6 (Figura 1). No segundo grupo (halterofilistas) onde o coração é submetido a altas pressões, sem grande aumento da frequência cardíaca, observamos um predominante aumento da espessura miocárdica, sem dilatação (hipertrofia concêntrica, rigidez aumentada e tempo de relaxamento prolongado levando ao aumento do tempo de desaceleração da onda E e invertendo a relação E/A do fluxo mitral) . Essas situações são extremas e os exemplos didáticos, mas na realidade, a avaliação da função diastólica em atletas é muitas vezes bem mais complexa do que isso. Vamos mostrar através de dois exemplos clínicos como a utilização racional das novas diretrizes associada às técnicas avançadas Correspondência: Carlos Eduardo Suaide Silva • Av. Juruá, 434. CEP 06455-010, Barueri , SP – Brasil E-mail: csuaide@cardiol.br Artigo recebido em 04/10/2019, revisado em 03/12/2019, aceito em 27/12/2019 Palavras-chave Disfunção Ventricular; Diagnóstico por Imagem; Ecocardiografia/métodos; Diretrizes; Esportes; Exercício; Atletas. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190689 134

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