ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Artigo de Revisão Leite et al. Síndrome cardiorrenal aguda Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):127-133 da qual o aumento de creatinina define essa síndrome: a) creatinina admissional; b) a menor creatinina durante a internação hospitalar; c) valores de creatinina sérica de outras internações; ou d) medidas ambulatoriais de creatininemia. Os critérios originais do RIFLE não especificaram como escolher a creatinina de referência, mas recomendaram a imputação de um valor calculado a partir de uma TFG estimada de 75ml/min/1,73m 2 . Abordagens alternativas incluem a avaliação da variação da creatinina nas primeiras 48 horas para reduzir a necessidade do valor pré-hospitalar (AKIN) ou a menor creatinina sérica da internação, quando ausente a medida ambulatorial de creatinina (KDIGO). 35 Siew et al., 36 estudaram 4.863 pacientes hospitalizados e avaliaram três referências de creatinina basal: MDRD ( Modification of Diet in Renal Disease ), creatinina admissional e a menor creatinina da internação. O MDRD e o nadir superestimaram a incidência em pelo menos 50%, enquanto a taxa de internação foi subestimada em46%. Ouso da creatinina da admissão como referência tem a menor sensibilidade para o diagnóstico de IRA adquirida no hospital e não inclui o diagnóstico de IRA iniciada antes da chegada ao hospital. Alguns autores consideraram como referência a creatinina da pré-admissão hospitalar (ambulatorial) quando disponível, mas apenas alguns deles definiram o tempo de validade máximo da medida ambulatorial até a internação. Porém, o valor ambulatorial da creatinina poucas vezes está disponível. O critério RIFLE 29 não define especificamente qual seria a referência de creatinina basal. O critério de IRA mais recente, KDIGO, sugere como referência a menor creatinina sérica durante a internação hospitalar. 35 Poucos estudos consideraram a função renal basal correlacionada com creatinina ascendente durante o episódio de IRA. O uso de biomarcadores na caracterização da síndrome cardiorrenal aguda Apesar de a creatinina ser o pilar do diagnóstico da SCRA, ela apresenta limitações como marcador da função renal, especialmente em pacientes críticos. Seu nível sérico é influenciado por fatores como sexo, idade, peso e massa muscular. Além disso, a creatinina eleva-se somente 24 horas após um dano renal e sua concentração não aumenta significativamente até que cerca de metade da função renal esteja comprometida. Portanto, a creatinina é considerada um marcador lento de IRA. 37 Existem controvérsias na definição de creatinina basal dos pacientes críticos, visto que nessa condição existem alterações na nutrição, perda de massa muscular e sobrecarga hídrica. Biomarcadores de qualidade são aqueles que possuem aplicabilidade clínica, com papel reconhecido na fisiopatologia da síndrome. Há incentivo para a pesquisa de biomarcadores mais fidedignos para o diagnóstico precoce da SCRA. A molécula de lesão renal-1 (KIM-1), a lipocalina associada à gelatinase de neutrófilos (NGAL), a interleucina 18 (IL-18), e a cistatina C (Cys-C) são alguns dos novos marcadores de lesão renal alvos de estudos. No entanto, nenhum dos três marcadores tubulares citados previu com precisão o agravamento da função renal nos pacientes com ICD. 38 Estima-se que microalbuminúria esteja presente em 20% a 30% dos pacientes com IC. Dois estudos demonstraram associação com mortalidade em pacientes com micro ou macroalbuminúria comparados àqueles com excreção normal de albumina. 39 Na SCRA, o paciente piora clinicamente e desenvolve oligúria, apesar dos níveis elevados de peptídeos natriuréticos, que têm sabidamente efeito diurético. É importante lembrar que o NT-proBNP é reduzido em pacientes submetidos a hemodiálise por membranas de alto fluxo. 40 O ST2 (do inglês, Suppression of Tumorigenicity 2 ) é um biomarcador de congestão menos influenciado pela função renal do que o NT-ProBNP e pode acrescentar informação diagnóstica e prognóstica. 41 Métodos de imagem no diagnóstico da síndrome cardiorrenal aguda O exame de imagem com avaliação das ondas de fluxo venoso e arterial renal pode sinalizar um agravamento da função antes de ocorrer um aumento da creatinina sérica, fornecendo uma avaliação viável e não invasiva da hemodinâmica renal. 42,43 Implicações prognósticas da síndrome cardiorrenal aguda A SCRA está associada com maior mortalidade por todas as causas e cardiovascular em curto e longo prazos, tempo de hospitalização prolongado, 10,11,44-46 reinternações, 27,47 progressão para os estágios da doença renal crônica 48 e maiores custos com a saúde. 10 A SCRA parece ser mais grave em pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida em comparação àqueles com FEVE preservada, atingindo uma incidência de 70% naqueles com choque cardiogênico. 49 Além disso, o comprometimento da função renal é encontrado como um fator de risco independente para mortalidade em 1 ano em pacientes com IC aguda, incluindo aqueles com infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. 23 Uma justificativa seria que um declínio agudo da função renal não atua simplesmente como ummarcador de gravidade da doença, mas também acelera alterações cardiovasculares através da ativação de vias inflamatórias. 48 Dois estudos mostraram que o risco de mau prognóstico permanece independentemente se a SCRA foi intermitente ou persistente 45,47 e que mesmo discretas alterações da função renal podem alterar o risco de morte. 49 Alguns estudos demonstraram que a SCRA persistente, quando comparada com a intermitente, apresenta pior prognóstico após a alta hospitalar e elevações transitórias da creatinina não se relacionaram com pior prognóstico. 50-52 No estudo ADHERE, 9 59% dos homens e 68% das mulheres apresentaram disfunção renal moderada a grave no momento da hospitalização. Pacientes com piora da função renal durante a internação apresentaram maior mortalidade hospitalar. Pacientes cuja internação hospitalar é precipitada pela SCRA têm maior mortalidade hospitalar, maior tempo de hospitalização, mais reinternações e maiores taxas de mortalidade pós-alta comparados a pacientes com outros fatores precipitantes. 53-55 A SCRA persistente em 1 ano após a alta mostrou-se um preditor significativo de mortalidade cardiovascular e mortalidade por todas as causas. 56 130

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