ABC | Volume 115, Nº1, Julho 2020

Editorial Avila e Carvalho COVID-19: gravidez e cardiopatia Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):1-4 infecção pelo vírus, mas podem piorar o desfecho materno 4- 6 . As alterações respiratórias na gravidez levam a redução da capacidade pulmonar total e da complacência torácica no final da gestação. Além disso a hipóxia materna decorrente da hipoventilação e do comprometimento nas trocas gasosas reduz a oferta de oxigênio para o feto, e consequentemente, morte intra-uterina. Nesse contexto, a pneumonia da COVID-19 progride rapidamente de consolidação pulmonar focal para difusa bilateral, predispondo a grave insuficiência respiratória hipoxêmica. COVID-19 pode levar a injúria cardíaca por múltiplos mecanismos, resultando em resposta inflamatória extrema com lesão endotelial e miocardite. 14 Na gravidez e no período pós-parto, insuficiência cardíaca aguda deve ser considerada em algumas circunstâncias, como cardiomiopatia periparto, miocardite viral e edema pulmonar não cardiogênico. Edema pulmonar é também visto em grávidas saudáveis em decorrência de importantes alterações no volume intravascular durante o trabalho de parto e após o parto. Da mesma forma, alterações hemodinâmicas na gestação causam aumento no gradiente da válvula mitral estenótica e pode levar a congestão pulmonar. A cardiopatia congênita cianótica, as lesões obstrutivas do lado esquerdo do coração ou grave disfunção ventricular sistólica apresentam maior risco de complicações cardíacas em mulheres grávidas. A queda da resistência vascular sistêmica piora a hipoxemia em mulheres grávidas com hipertensão pulmonar e com tetralogia de Fallot não corrigida. Coagulopat ia s is têmica é um aspect o cr ít ico de morbimor talidade na COVID-19. 14 O estado de hipercoagulabilidade da gravidez eleva o risco de tromboembolismo em mulheres cardiopatas. Nesse cenário, a combinação de COVID-19 e prótese valvular mecânica ou fibrilação atrial na doença valvar reumática aumenta o risco de eventos tromboembólicos emmulheres grávidas. Vale ressaltar que, a cada trimestre da gestação, os níveis de dímero-D aumentam, fato que deve ser considerado na interpretação para diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Inflamação sistêmica e coagulopatia na COVID-19 elevam o risco de ruptura da placa aterosclerótica e infarto agudo do miocárdio. 14 A significativa implicação de infecção pelo SARS- CoV-2 para o sistema cardiovascular é evidenciada por injúria miocárdica aguda (altos níveis de troponina I ultrassensível e/ ou novas anormalidades no ECG/ecocardiograma), arritmias cardíacas complexas e parada cardíaca. Durante a gravidez, síndrome coronariana aguda não é comum. Entretanto, infecções, em especial no pós-parto, são fatores de risco para infarto do miocárdio. As causas mais frequentes de infarto do miocárdio na gravidez são dissecção espontânea de artéria coronária, aterosclerose, trombose coronariana e artérias normais na angiografia com comprometimento da microcirculação coronariana. Estudos recentes mostraram que a enzima de conversão da angiotensina 2 (ECA2) é um receptor funcional de SARS-CoV-2. 15 O sistema renina-angiotensina é o principal responsável pela regulação da pressão arterial e a ECA2 tem papel crítico no controle da fisiologia cardiovascular em grávidas. Angiotensina-(1-7) é significativamente elevada em grávidas saudáveis quando comparadas a não grávidas. Na pré-eclâmpsia, os níveis plasmáticos de angiotensina (1-7) são reduzidos e a angiotensina II plasmática é consistentemente elevada, o que contribui para o desenvolvimento de hipertensão nessas gestantes. Além disso, grávidas com hipertensão crônica apresentam maior risco de pré-eclâmpsia ou síndrome HELLP. Contudo, a relação entre regulação positiva de ECA2 e SARS-CoV-2 na gravidez requer estudos adicionais. Por fim, atualmente, não há dados sobre o desfecho da gravidez em pacientes com cardiopatia ou hipertensão arterial e COVID-19. Entretanto, essas pacientes têmque ser consideradas um grupo de alto risco. Devido à falta de terapêutica específica e de vacina para COVID-19, precisamos estar preparados para prevenir e tratar complicações cardiovasculares na gestação. 13 Cuidado integrado e multidisciplinar deve visar à otimização da terapia, à orientação das pacientes quanto aos riscos da COVID-19 e ao seu tratamento em uma eventual infecção por SARS-CoV-2. As graves consequências da COVID-19 somadas às complicações de grávidas comcardiopatia ou hipertensão arterial podemdeterminar pior desfechomaterno e prognóstico incerto. 1. World Health Organization. (WHO) Coronavirus disease (COVID-19) Pandemic. [Cited in 2020 Apr 23] Available from: https://www.who.int/ emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. 2. Brasil.Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Protocolo de manejo clínico da Covid-19 na Atenção Especializada. [Citado em 19 abr 2020] Disponível em: https://portalarquivos.saude. gov.br/images/pdf/2020/April/14/Protocolo-de-Manejo-Cl--nico-para- o-Covid-19.pdf 3. Meljer WJ, van Noortwijk AG, Bruinse HW, Wensing AM. Influenza virus infection in pregnancy. A review. Acta Obstet Gynecol Scand. 2015 Aug;94(8):797-819. 4. Sanghavi M, Rutherford JD. Cardiovascular physiology of pregnancy. Circulation. 2014;130(12):1003-8. 5. Cui C, Yang S, Zhang J, Wang G, Huang S, Li A, et al. Trimester-specific coagulation and anticoagulation reference intervals for healthy pregnancy. Thromb Res. 2017 Aug;156:82-6. 6. Hegewald MJ. Respiratory physiology in pregnancy. Clin Chest Med. 2011;32(1):1-13. 7. Kwon JY, Romero R, Mor G. New insights into the relationship between viral infection and pregnancy complications. Am J Reprod Immunol. 2014May; 71(5):387-90. 8. Schwartz DA, Graham AL. Potential Maternal and Infant Outcomes from (Wuhan) Coronavirus 2019-nCoV Infecting PregnantWomen: Lessons from SARS, MERS, and Other Human Coronavirus Infections. Viruses. 2020 Feb 10;12(2):194. Referências 3

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