ABC | Volume 114, Nº6, Junho 2020

Ponto de Vista Guimarães et al. Síndromes coronarianas agudas na era COVID Arq Bras Cardiol. 2020; 114(6):1067-1071 subdiagnóstico e tratamento inadequado, com risco de sequelas e mortes evitáveis. 12,13 Além disso, atrasos para angioplastia primária foram registrados tanto pré-hospitalares, por relutância na procura ou por dificuldades de acesso, fazendo com que o paciente seja admitido em uma condição mais grave, como intra-hospitalares, atribuídos a modificações nos fluxos decorrentes das barreiras de biossegurança necessárias contra o coronavírus. 14 Alertas à população sobre a importância de valorizar sintomas sugestivos de SCA e de procurar ajuda rapidamente são fundamentais e vêm sendo gerados por associações importantes em outros países. 15 A telemedicina é uma ferramenta facilitadora nesse contexto, tem o potencial de permitir ao médico reconhecer remotamente sintomas suspeitos de SCA e orientar o paciente a procurar imediatamente por atendimento. Além disso, permite diagnóstico pré-hospitalar de infarto agudo do miocárdio com supradesnível de segmento ST, possibilitando acionamento rápido dos laboratórios de hemodinâmica e seleção da melhor estratégia de reperfusão miocárdica, fibrinolítica ou angioplastia primária, de maneira personalizada. Pode- se evitar a passagem pelo pronto-socorro, conduzindo o paciente diretamente à sala de cateterismo, de forma a minimizar o risco de infecção nosocomial e encurtar o tempo para recanalização, reduzindo tempo de internação e sequelas. 16,17 Assim, o preparo das equipes com treinamento médico continuado, protocolos assistenciais, alertas de novas políticas públicas populacionais e o uso da telemedicina como ferramenta auxiliar têm demonstrado ser fundamentais. Manejo da Síndrome Coronariana Aguda (Protocolos de Atendimento) A pandemia da COVID-19 fez emergir novos questionamentos, desafios e paradigmas na abordagem da SCA 18 – uma emergência médica que deve ser diagnosticada e tratada precocemente conforme protocolos validados extensamente na literatura. 19 É fato incontestável que o tratamento da SCA, sobretudo do infarto agudo do miocárdio, tem evoluído e demonstrado reduções significativas nas taxas de mortalidade, especialmente se implementado nas primeiras horas do evento cardiovascular. 20 A trombólise, a angioplastia e os stents coronários promoveram uma verdadeira revolução. Com ações precoces, verifica-se menor número de arritmias ventriculares, redução do tamanho do dano miocárdico, menores incidências de reinfarto e maior preservação da função ventricular. 21 Tais efeitos se sustentam a longo prazo e impactam na qualidade e expectativa de vida. Infelizmente, a pandemia da COVID-19 tem impactado negativamente no diagnóstico precoce e no adequado tratamento da SCA atualmente. São muitos os relatos apontando para uma significativa redução nos atendimentos por essa apresentação nos setores de emergências. Dados reportados de todo o mundo e da cidade de Nova York, Estados Unidos, apontam para redução de até 70% no volume de atendimentos por SCA e aumento em até 800% nas mortes súbitas. 22,23 Recomendações de diversas Sociedades Médicas 19,20 destacam as implicações clínicas cardiovasculares do coronavírus e atenção para os riscos individuais e populacionais. 20,21 Além das estratégias de saúde pública para prevenção da disseminação da infecção, vacinação anti- influenza e antipneumocócica, há alerta para a muito provável subnotificação e a falta de assistência para os casos de infarto agudo do miocárdio durante a pandemia da COVID-19. 21,22 Nesse contexto, a criação de rotas e fluxos voltados para dar atenção a esses pacientes precisa de ampla estruturação e divulgação. As Figuras 1 e 2 apresentam sugestões de protocolos assistenciais que precisam ser validados e ajustados às diferentes realidades locais. Para tanto, equipamentos de proteção individual (óculos antirrespingos, protetores faciais, máscaras N95 ou equivalentes, gorros e aventais impermeáveis) para paramentação completa devem estar disponíveis para toda a equipe assistencial e seguir rígidas rotinas institucionais no seu uso. Somado a isso, a criação de redes de infarto, apoiadas por telemedicina, pode diminuir a mortalidade e o tempo de hospitalização. O programa Mission Lifeline STEMI Systems Accelerator 23 observou o impacto da implementação de redes de infarto em 167 hospitais, que atenderam a 23.498 pacientes com infarto com supradesnivelamento do segmento ST. Documentou-se melhora de 3 processos-chave para o cuidado: ativação pré-hospitalar da hemodinâmica (62% para 91%; p < 0,001); protocolo de chamada única para transferência de unidade externa (45% a 70%; p < 0,001); encaminhamento direto para a hemodinâmica (evitando-se atrasos no pronto-socorro) (48% a 59%; p = 0,002); além de significativa redução do tempo entre o primeiro contato médico até o balão (88 minutos × 98 minutos; p < 0,001). O programa LATIN 24-28 conectou 13 hospitais terciários a 86 unidades de pronto atendimento (UPA) no Brasil. Mais de 6.000 pacientes com dor torácica foram atendidos através de telemedicina. O tempo médio para o diagnóstico de infarto foi de 5 minutos. A angioplastia primária foi empregada em 49% desses pacientes, atingindo-se mortalidade hospitalar média de 5%. Nessas redes, casos atendidos precocemente seguem rotas que evitam o pronto atendimento e conduzem o paciente diretamente à sala de hemodinâmica, encurtando os retardos evitáveis, e podem até prescindir de UTI, aliviando a sobrecarga ao sistema de saúde. Perspectivas Futuras A inerente e iminente recessão econômica dificulta a manutenção da população em quarentena. Fato que, teoricamente, poderá implicar na maior disseminação da doença ou surgimento de uma segunda onda com chances reais de superlotação e esgotamento no sistema de saúde. Nesse sentido, compilar ambiente seguro e protocolos adequados de tratamento dos pacientes com SCA é fundamental no enfrentamento da pandemia, tanto no âmbito da saúde pública como suplementar. Revisão contínua das medidas institucionais de gerenciamento protocolar são fundamentais no manejo dos pacientes com COVID-19 que apresentam SCA e para aqueles com doença arterial coronariana aguda sem infecção coexistente. A equipe médica deverá estar sempre alinhada e trabalhando de forma multidisciplinar, atenta aos potenciais efeitos colaterais cardiológicos das diferentes medicações e terapêuticas 1068

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=