ABC | Volume 114, Nº6, Junho 2020

Artigo de Revisão Doença de Coronavírus-19 e o Miocárdio Coronavirus Disease 2019 and the Myocardium José Albuquerque de Figueiredo Neto, 1 Fabiana G. Marcondes-Braga, 2 Lidia Zytinski Moura, 3 André Melo e Silva de Figueiredo, 1 Viviane Melo e Silva de Figueiredo, 1 Ricardo Mourilhe-Rocha, 4 Evandro Tinoco Mesquita 5 Universidade Federal do Maranhão, 1 São Luis, MA - Brasil Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2 São Paulo, SP - Brasil Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 3 Curitiba, PR - Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Hospital Pró-cardíaco. 4 Educador C.T.E.B./UHG. 5 Resumo A infecção pelo coronavírus denominada COVID-19 promoveu crescente interesse de cardiologistas, emergencistas, intensivistas e pesquisadores, pelo estudo do acometimento miocárdico partindo de diferentes formas clínicas decorrentes de desmodulação imunoinflamatória e neuro-humoral. O acometimento miocárdico pode ser mínimo e apenas identificado a partir de alterações eletrocardiográficas, principalmente por aumento de troponinas cardíacas, ou no outro lado do espectro pelas formas de miocardite fulminante e síndrome de takotsubo. A descrição de provável miocardite aguda tem sido comumente apoiada pela observação da troponina elevada em associação com disfunção. A clássica definição de miocardite, respaldada pela biópsia endomiocárdica de infiltrado inflamatório é rara, e foi observada em um único relato de caso até o momento, não se identificando o vírus no interior dos cardiomiócitos. Assim, o fenômeno que se tem documentado é de injúria miocárdica aguda, sendo obrigatório afastar doença coronária obstrutiva a partir da elevação de marcadores de necrose miocárdica, associada ou não à disfunção ventricular, provavelmente associada à tempestade de citoquinas e outros fatores que podem sinergicamente promover lesão miocárdica, tais como hiperativação simpática, hipoxemia, hipotensão arterial e fenômenos trombóticos microvasculares. Fenômenos inflamatórios sistêmicos e miocárdicos após infecção viral estão bem documentados, podendo evoluir para remodelamento cardíaco e disfunçãomiocárdica. Portanto, será importante a cardiovigilância desses indivíduos para monitorar o desenvolvimento do fenótipo de miocardiopatia dilatada. A presente revisão apresenta os principais achados etiofisiopatológicos, descrição da taxonomia desses tipos de acometimento cardíaco e sua correlação com as principais formas clínicas do componente miocárdico presente nos pacientes na fase aguda de COVID-19. Introdução A lesão miocárdica, evidenciada por biomarcadores cardíacos elevados, foi reconhecida entre os primeiros casos de COVID-19, na China. O relatório do Conselho Nacional de Saúde da China relatou que quase 12% dos pacientes sem doença cardiovascular (DCV) conhecida apresentaram níveis elevados de troponina ou parada cardíaca durante a hospitalização. 1 Estes achados estimularam a pesquisa e o interesse por parte de cardiologistas, intensivistas e pesquisadores clínicos, pelo reconhecimento precoce destas anormalidades, bem como a busca dos mecanismos fisiopatológicos e o seu real impacto prognóstico. Ao lado disso, foi identificado que indivíduos portadores de DCVs prévias, apresentavam maior risco para o desenvolvimento das formas graves e maior mortalidade. Desta forma, entender o espectro do acometimento miocárdico, primário ou secundário, bem como os mecanismos etiofisiopatológicos envolvidos, são de fundamental importância para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas, que possam prevenir e atenuar a agressão miocárdica presente na fase aguda. SARS-CoV-2 e o mecanismo de agressão celular direta A infecção por SARS-CoV-2 é causada pela ligação da proteína spike da superfície viral ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2) humana após a ativação da proteína spike pela protease serina 2 transmembrana (TMPRSS2). A ECA-2 é expressa no pulmão, principalmente nas células alveolares do tipo II, e parece ser o portal de entrada predominante. 2-4 Ao se ligar à ECA-2, SARS-CoV-2 gera downregulation desta enzima e determina aumento dos níveis de angiotensina II, o que pode levar aos efeitos deletérios da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, tais como vaso constrição, alteração de permeabilidade vascular, remodelamento miocárdico e injúria pulmonar aguda; isto Palavras-chave Miocárdio/lesões; Troponina; Doenças Inflamatórias; Miocardite; Síndrome de Takotsubo; Biomarcadores; Coronavirus; COVID-19; Pandemia; Cardiomiopatia Dilatada; Microangiopatias Trombóticas. Correspondência: José Albuquerque de Figueiredo Neto • Avenida dos Holandeses, 1B, ap. 1202, Ponta D’Areia, São Luís - MA – Brasil E-mail: jafneto@terra.com.br Artigo recebido em 23/04/2020, revisado em 04/05/2020, aceito em 06/05/2020 DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200373 1051

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