ABC | Volume 114, Nº6, Junho 2020

Minieditorial A Hipotensão Ortostática Infrequente no Brasil: Estamos Subestimando o Problema? The Uncommon Orthostatic Hypotension in Brazil: Are We Underestimating the Problem? Humberto Graner Moreira 1 Liga de Hipertensão Arterial (LHA) - Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, 1 Goiânia, GO – Brasil Minieditorial referente ao artigo: A Prevalência da Hipotensão Ortostática e a Distribuição da Variação Pressórica no Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto Correspondência: Humberto Graner Moreira • Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás – 1ª Aveninida s/n – Setor Leste Universitário. CEP 74605-050, Goiânia, GO – Brasil E-mail: humbertograner@uol.com.br Palavras-chave Hipotensão Ortostática/complicações; Epidemiologia; Doenças Cardiovasculares; Acidente Vascular Cerebral; Infarto do Miocárdio; Hipertensão; Saúde do Adulto. A homeostase da pressão arterial (PA) depende de mecanismos fisiológicos complexos que envolvem interações contínuas dos sistemas cardiovascular, renal, neural e endócrino. Esses mecanismos também devem garantir a manutenção do débito cardíaco adequado, mesmo em situações de rápidas variações circulatórias. Uma dessas situações está relacionada às mudanças dinâmicas da postura, de deitado para em pé, quando a rápida redução do retorno venoso pode afetar a pré-carga, o volume sistólico e a pressão arterial média. A hipotensão ortostática (HO) é uma manifestação de disfunção autonômica e ocorre quando os mecanismos adaptativos cardiovasculares falham em compensar essas alterações ao assumir a posição em pé. 1 Odiagnóstico de HO requer a demonstração de diminuição significativa e persistente da PA durante a ortostase, seja pelo teste de se levantar ativamente à beira leito ou pelo teste de inclinação (tilt-test). Diretrizes nacionais e internacionais endossam a definição de HO como uma queda ≥20 mmHg na pressão arterial sistólica (PAS) ou uma queda ≥10 mmHg na pressão arterial diastólica (PAD) dentro de 3 minutos após a posição ortostática, independentemente da presença de sintomas. 2-4 Essa definição foi estabelecida pela primeira vez por um consenso em 1996 e foi baseada em vários pequenos estudos fisiológicos, além de considerações pragmáticas. 5 Com essa definição, evidências crescentes têm demonstrado que a HO prediz mortalidade por todas as causas 6,7 e incidência de doenças cardiovasculares, 7,8 sendo ainda mais relevante do que o descenso noturno reverso, observada na monitorização ambulatorial da PA, para predizer eventos cardiovasculares. 9 Uma meta-análise recente envolvendo 121.913 indivíduos e um acompanhamento médio de 6 anos relatou que a HO estava associada a riscos 50, 41 e 64% maiores de morte por todas as causas, doença arterial coronariana e acidente vascular cerebral, respectivamente. 8 Para determinar a prevalência de HO em uma população brasileira, Velten e colegas apresentam nesta edição dos Arquivos uma análise detalhada do comportamento da pressão arterial após manobras posturais em 14.833 indivíduos do estudo ELSA-Brasil. 10 A coorte ELSA-Brasil incluiu 15.105 funcionários públicos de 35 a 74 anos de 5 universidades e 1 instituto de pesquisa localizados em diferentes regiões do Brasil. O estudo foi realizado de 2008 a 2010 e desenvolvido para abordar a incidência de doenças cardiovasculares e os principais fatores de risco associados entre funcionários funcionários ativos ou aposentados dessas instituições. 11 A prevalência relatada de HO nessa população foi de 2,0% e aumentou com a idade, chegando a 3,3% em indivíduos entre 65 e 74 anos. Entre aqueles com triagem positiva para HO, a presença de sintomas foi observada em 19,7%, contra apenas 1,4% entre aqueles sem HO. Os sintomas foram relatados em até 43% dos indivíduos que apresentaram queda concomitante na PAS e PAD. Para além de um inquérito epidemiológico, em um país onde muitos desses dados são escassos ou ausentes, este estudo levanta algumas questões que merecem ser abordadas. Primeiro, a prevalência de HO nesta coorte foi baixa. Infelizmente, não existem outros estudos na literatura que tenham investigado a prevalência de HO no Brasil, e esse também é outro mérito dos autores. Pesquisas epidemiológicas internacionais demonstram que a prevalência de HO varia de 5 a 20%, mas pode chegar a 30% em indivíduos com mais de 70 anos de idade. 1,12 Neste trabalho de Velten et al., 10 mesmo em indivíduos com mais de 64 anos, a prevalência ainda era muito menor do que os relatos anteriores. As razões para essa discrepância não foram claras. Uma parcela significativa dos idosos acima de 74 anos foi excluída e poderia aumentar esse número, mas as características basais do estudo ELSA-Brasil ainda apontam para uma população com alta frequência de fatores de risco: 63,1% tinham excesso de peso, 61,5% apresentavam colesterol alto, 35,8% apresentavam PA elevada, e 20,3% tinham tolerância à glicose comprometida. 11 Se a baixa prevalência apenas reflete uma população específica, retomaremos esse tópico mais adiante neste artigo. Segundo, como parte da avaliação do protocolo, a manobra de mudança postural incluiu medidas da PA aos 2, 3 e 5 minutos após o repouso. Os autores apontam que a prevalência de HO pode mais que dobrar, para até 4,3%, quando se considera a redução da PA em pelo menos uma das três medidas. No entanto, ao comparar apenas as medidas de 3 e 5 minutos, a prevalência de HO aumenta de 2,0 para 2,6%. Embora esses indivíduos tendam a ser mais sintomáticos aos 5 minutos, o aumento da sensibilidade para a triagem de DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200352 1049

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