ABC | Volume 114, Nº6, Junho 2020

Editorial Covid-19 no Brasil: Aprendendo a Andar no Escuro sem Deixar Nada para Trás Covid-19 in Brazil: Learning How to Walk in the Dark Without Leaving Anything Behind  Juliano Lara Fernandes 1, 2 Radiologia Clínica de Campinas, 1 Campinas, SP - Brasil Instituto de Ensino e Pesquisa Jose Michel Kalaf, 2 Campinas, SP – Brasil Correspondência: Juliano Lara Fernandes • Radiologia Clínica de Campinas – Av. José de Souza Campos, 840. CEP 13092123, Campinas, SP - Brasil E-mail: jlaraf@terra.com.br Palavras-chave Coronavirus, COVID-19; Pandemia; Doença Catastrófica/ mortalidade; Hospitalização/economia; Equidade no Acesso aos Serviços de Saúde; Testes Diagnósticos/métodos; Equipamento de Proteção Individual; Máscaras; Ventiladores Mecânicos. “Se Você Tem Altos e Baixos, Celebre, pois Significa que está Vivo!” A pandemia pelo SARS-CoV-2 teve seu primeiro caso no Brasil em 04/02/2020 no estado de São Paulo. Como um verdadeiro meteoro, praticamente paralisou o planeta sem que tivéssemos uma medida terapêutica mais efetiva para combater o vírus além de práticas utilizadas globalmente apenas décadas ou até centenas de anos atrás, com nível de evidência moderna muito pouco robusta. 1 O Brasil teve a vantagem de antevisão da pandemia por estar algumas semanas atrás dos seus pares asiáticos e europeus, podendo identificar erros e acertos desses países na sua preparação para enfrentar o problema. Assim, descobrimos meio por acaso que temos o terceiro maior número de leitos de UTI do mundo, perdendo apenas para EUA e Alemanha, 2 mas também nos deparamos com enorme heterogeneidade entres estados, limitação e burocracia para aquisição de equipamentos de proteção individual e kits de testagem. Isso fez com que algumas opções de abordagem da pandemia adotadas em outros países não pudessem ser reproduzidas aqui, seja pela impossibilidade de um lockdown num país continental, seja pela agilidade e custos necessários para se fazer a identificação dos casos transmissores. Além disso, a limitação do número de testes a serem realizados nos deixou sem um guia preciso sobre o momento em que a pandemia se encontrava, dificultando muito o planejamento para alocação eficiente dos escassos recursos de forma correta e no tempo certo. A solução para isso foi adotar estratégias próprias que permitissem caminharmos no escuro, mas tendo ao menos uma ideia mais próxima sobre em que altura do caminho estávamos. Tal informação é essencial para decisões importantes que impactam não só a parte econômica do país, mas também toda a cadeia de saúde da população, que se viu privada de acessos ambulatoriais e tratamentos eletivos por conta da pandemia. Os modelos matemáticos epidemiológicos teóricos se mostraram pouco capazes de predizer nossos números reais, seja por superestimar a letalidade da doença que parece se comportar mais próximo de 0.2-0.5%, 3 seja por usar dados de pandemias passadas com outras dinâmicas de transmissão. Interessantemente, os modelos que mais se prestaram a modelar em que altura da pandemia estamos vieram de estratégias de ajuste de curvas ou modelos bayseanos utilizando dados já existentes em outros países ou com base nos dados preliminares que já tínhamos em nossas curvas. 4,5 Esses modelos apareceram de forma relativamente espontânea e fora de grupos de pesquisa tradicionais, mas se revelaram mais assertivos em determinar diversos momentos da pandemia. 6 De forma mais simplificada, mas também utilizando dados de como a pandemia se comportou previamente em outros países, buscamos analisar os gráficos de casos novos por dia de 30 países com os maiores números de casos de Covid-19, de acordo com os seguintes critérios: países que já haviam atingido um pico máximo e apresentavam ao menos 5 dias de queda ou estabilização dos casos novos diários. 7 A China foi excluída pois concentrou num dia posterior milhares de casos anteriores; Brasil foi excluído por ser objeto da aplicação do resultado. Foram incluídos 5 países que não tiveram isolamento mandatório. Dos 30 países, 18 já foram considerados como tendo concluído o ciclo completo da pandemia, com número de casos novos diários <70% do pico de casos novos por dia. Utilizando a data do 1º, 100º e 200º caso ou 10º o óbito, foram determinados os tempos entre essas datas e o pico de casos novos/dia da doença. A partir desses resultados, observou- se que 95% dos países estudados apresentavam seus picos 55±8 dias do 1º caso, 31±5 dias do 100º caso, 27±5 dias do 200º caso e 19±4 dias do 10º óbito. Com esse dado, seria possível se estabelecer qual seriam os picos de casos novos, óbitos e uso do sistema hospitalar em diversos estados e cidades do país, mesmo sem se ter a certeza do número exato de casos pela subnotificação, com base no comportamento da pandemia em países com os mais distintos sistemas de saúde e medidas de mitigação do vírus. As datas de pico de óbitos foram estabelecidas a partir de 14 dias do pico de casos e do uso do sistema hospitalar a partir de 26 dias do pico de casos, tendo em vista os tempos de incubação, manifestação de sintomas, internação e eventual piora clínica da doença. 8 Com essas premissas, estimamos DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200445 988

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