ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Ponto de Vista Costa et al. Implicação Cardiovascular do Covid-19 Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):834-838 Panorama geral da COVID-19 A pandemia da COVID-19, assim como as epidemias prévias de outros coronavírus (SARS e MERS) e a pandemia de 2009 (H1N1), traz consequências graves nos modelos de saúde, econômicos e sociais de toda a população mundial. A transição demográfica, apesar de ocorrer de forma diferenciada entre os países, de modo geral, caracteriza-se pelo aumento da população idosa em comparação às demais faixas etárias, pois cresce cerca de 4% ao ano. Fatores como diminuição da fecundidade, redução da mortalidade infantil e da mortalidade geral, melhorias na atenção à saúde da população, desenvolvimento tecnológico no tocante ao diagnóstico e tratamento das doenças também corroboram para o quadro demográfico atual. 6 Concomitante ao aumento do número de idosos, ocorre uma transição epidemiológica, com crescimento da proporção das doenças no aparelho circulatório, diabetes melito, neoplasias, agravos por causas externas e doenças do aparelho respiratório. 7 Estudos indicam que uma maior frequência de comorbidades está comumente relacionada à idade mais avançada. A taxa de mortalidade da COVID-19 pode ser nove vezes maior entre pessoas com alguma doença crônica, quando comparada à de pacientes sem patologia preexistente. Dados disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em fevereiro demonstram que no grupo de infectados sem comorbidade apenas 1,4% morreu. Já entre os pacientes com alguma doença cardiovascular, por exemplo, o índice chegou a 13,2%. Considerando todos os pacientes infectados, a letalidade foi de 3,8%, mas vale ressaltar que, em função do andamento da pandemia, novos dados estatísticos vêm sendo adicionados aos estudos. A forma severa da doença foi observada nos pacientes mais velhos 8,9 que apresentavam um número mais significativo de condições comórbidas comparados aos pacientes não graves. Esses resultados sugerem que idade e comorbidades associadas podem ser um dos fatores de risco para pacientes críticos. Além disso, idosos e pacientes imunossuprimidos podem manifestar sintomas atípicos e outras maneiras de apresentação, incluindo pneumonia leve, moderada e grave, e em casos mais graves, síndrome respiratória aguda grave, sepse, choque séptico e morte. 4 Em um relato de caso de 138 pacientes hospitalizados com COVID-19, 16,7% dos pacientes desenvolveram arritmia e 7,2% sofreram lesão cardíaca aguda, além de outras complicações relacionadas com a COVID-19. Relatórios publicados indicam casos de insuficiência cardíaca de início agudo, infarto do miocárdio, miocardite e parada cardíaca. 10 Além disso, foram encontrados casos de dano miocárdico, com aumento de troponina I, dano cardíaco agudo, choque e arritmia. 11,12 Na fase aguda dos quadros virais graves, não somente da COVID-19, mas também em outras coronoviroses, o paciente pode apresentar taquicardia, hipotensão, bradicardia, arritmias e morte súbita. Alterações eletrocardiográficas e aumento de troponina sinalizam acometimento miocárdico na forma de miocardite. 11,12 Estudos de coortes publicadas até o momento mostram taxas de insuficiência cardíaca aguda, choque e arritmia de 7,2%, 8,7% e 16,7%, respectivamente. O acometimento cardiovascular decorre devido a um descompasso entre o aumento da demanda metabólica/inflamatória desencadeado pelo vírus e uma reserva cardíaca reduzida. O estado inflamatório torna o ambiente mais propenso a fenômenos trombóticos. Sendo assim, a recomendação tem sido de que as medicações de uso crônico dos pacientes sejam mantidas, sendo a sua retirada/substituição avaliada em nível individual e de acordo com as diretrizes vigentes até o momento. Vale ressaltar que novas recomendações podem surgir à medida que saem novos trabalhos em andamento. 13,14 As doenças crônicas, tais como hipertensão, diabetes, doenças do sistema respiratório, doenças cardiovasculares e suas condições de suscetibilidade, compartilham com as doenças infecciosas alguns estados padronizados, como o estado pró-inflamatório e a atenuação da resposta imune inata. O diabetes, por exemplo, ocorre, em parte, porque o acúmulo de células imunes inatas ativadas nos tecidos metabólicos leva à liberação de mediadores inflamatórios, especialmente IL-1 β e TNF α , que promovem resistência à insulina e danos às células β . 15 Além disso, os distúrbios metabólicos podem levar à depressão da função imunológica, prejudicando a função dos macrófagos e linfócitos, 16 o que pode tornar os indivíduos mais suscetíveis a complicações e agravos da COVID-19. 9 Muitos dos pacientes mais velhos que ficam gravemente doentes têm evidências de doenças subjacentes, tais como doença cardiovascular, doença hepática, doença renal ou tumores malignos. 17-19 Esses pacientes geralmente morrem de suas comorbidades originais, portanto, a avaliação precisa de todas as comorbidades originais dos indivíduos com COVID-19 deve ser rigorosamente analisada e considerada no plano terapêutico individualizado. Outros trabalhos acrescentam que a insuficiência respiratória agravada pelo SARS-CoV-2 ocorre em virtude de danos alveolares maciços. Esse vírus é capaz de infectar células epiteliais respiratórias humanas por meio de uma interação entre a proteína S viral e o receptor da enzima 2 de conversão da angiotensina nas células humanas. Embora, na literatura, haja evidências de que a presença de infecções pulmonares graves possa afetar o prognóstico a longo prazo dos indivíduos cardiopatas, não existem dados que confirmem que pacientes recuperados da infecção por COVID-19 irão experimentar efeitos a longo prazo. 20,21 Assim, não apenas capaz de causar pneumonia, a COVID-19 também pode provocar danos a outros órgãos, e os pacientes acabammorrendo por insuficiência de múltiplos órgãos, choque, síndrome do desconforto respiratório agudo, insuficiência cardíaca, arritmias e insuficiência renal. 22 As possíveis lesões de múltiplos órgãos e sua proteção e prevenção devem ser monitoradas no tratamento da COVID-19. 23 Nesses pacientes críticos, as medidas de proteção necessárias incluem ventilação mecânica, glicocorticoides, antivirais, tratamentos sintomáticos e terapia antichoque. Outro fator importante seria a maneira de estimar a capacidade de transmissibilidade de um vírus por meio do 835

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