ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Ponto de Vista Nascimento et al. Anticoagulação em COVID-19 grave Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):829-833 De acordo com critérios estabelecidos pela Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH, sigla em inglês), é possível identificar melhores desfechos clínicos nos pacientes com SIC recebendo terapia anticoagulante. 27,28 O uso de anticoagulantes, sobretudo nos pacientes em estado crítico, não é isento de riscos e pode estar relacionado a complicações hemorrágicas graves. Portanto, a indicação dessa modalidade terapêutica deve ser personalizada, respeitando os perfis de risco trombótico e hemorrágico. A síndrome hemofagocítica (SHF) é caracterizada por uma resposta inflamatória sistêmica desencadeada pela ativação e proliferação inapropriada dos linfócitos, que ativam macrófagos e histiócitos, que fagocitam células hematológicas. Essa síndrome é associada a grande produção de citocinas inflamatórias. O quadro clínico inicial da SHF é marcado pelos achados de síndrome de resposta inflamatória sistêmica e, na suspeição de sua evolução, podem-se observar quadro neurológico, alterações na função hepática, CIVD, hepatoesplenomegalia, pancitopenia e ferritina elevada. Esse quadro pode ser desencadeado por infecções, inclusive COVID-19, na qual alguns casos apresentam grande liberação de citocinas, principalmente interleucina 6, associada a resposta inflamatória sistêmica e CIVD. Deve-se pensar em tais condições de acordo com os achados clínicos e laboratoriais, devendo ser definida uma abordagem terapêutica precoce na tentativa de reversão do quadro. 28 A infecção pelo SARS-CoV-2 em sua apresentação mais grave marcada por disfunção orgânica, como insuficiência respiratória aguda, atende aos critérios diagnósticos de sepse. 33 Estudos observacionais recentes correlacionam estado de hipercoagulabilidade à forma gravedeCOVID-19, onde SICe/ou CIVDparecemestar presentes namaioria dos casos fatais. 3,21-23,34 A redução da pressão arterial de oxigênio encontrada nos pacientes críticos contribui direta e indiretamente para o desenvolvimento da síndrome isquêmica. 35 De acordo com o exposto, é razoável alinhar a fisiopatologia pró-trombótica já descrita na sepse com aspectos intrínsecos do novo coronavírus e, portanto, analisar individualmente o potencial benefício do uso de anticoagulantes em grupos selecionados de pacientes. Um estudo retrospectivo realizado no hospital de Tongji (Wuhan, China) descreveu a ocorrência de menor taxa de mortalidade nos pacientes com COVID-19 grave que fizeram uso de anticoagulante, heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular (HBPM), e apresentavam escore SIC ≥ 4 e/ou dímero-D muito elevado (> 6 vezes o limite superior da normalidade). 36 A terapia anticoagulante em pacientes com COVID-19 grave e indícios de SIC e/ou com dímero-D muito elevado em associação a outros biomarcadores que denotam gravidade, na ausência de contraindicação à anticoagulação, pode ser considerada uma estratégia terapêutica fundamentada no consenso de especialistas e em poucos estudos retrospectivos. Adicionalmente, essa estratégia requer a utilização de protocolos institucionais rígidos que permitam a vigilância e a rápida intervenção frente a complicações. A Figura 2 apresenta o algoritmo de avaliação da trombogênese em pacientes com COVID-19, além de uma proposta de tratamento. Não existem, todavia, dados suficientes para determinar aspectos importantes à elaboração do plano terapêutico, como a escolha da melhor droga, sua dosagem e regime de administração e a duração do tratamento. São necessários mais estudos, sobretudo prospectivos, para melhor fundamentar a indicação da terapia anticoagulante em pacientes críticos infectados pelo novo coronavírus. O possível benefício de se reduzir o estado de hipercoagulabilidade deve ser balanceado com o risco de sangramento. É possível que a terapêutica anticoagulante seja mais benéfica quando iniciada na fase pré-trombótica do que nos quadros avançados, quando o risco de sangramento é maior. Em se optando pela anticoagulação, parece razoável o uso de HBPM como fármaco de escolha em pacientes estáveis e com depuração normal de creatinina (dose de 1 mg/kg de 12/12h, subcutânea). Em caso de choque ou depuração de creatinina abaixo de 50ml/min/m², é preferível o uso de heparina intravenosa (18 UI/kg/h), tendo como alvo um tempo de tromboplastina parcial ativada entre 1,5 e 1,8. Entretanto, não há evidências que fundamentem a ampla utilização de heparina emdose terapêutica na COVID-19. Emconclusão, a fisiopatologia da COVID-19 envolve ativação da resposta inflamatória e indução do sistema trombótico. No momento, consenso de especialistas sugere tratamento com anticoagulante para pacientes que tenham fenótipo pró- coagulante (dímero-D elevado, prolongamento de tempo de protrombina e aumento dos níveis plasmáticos de fragmentos da fibrina). Mais estudos são necessários para confirmar o real papel da anticoagulação na prevenção de complicações da COVID-19. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Nascimento JHP, Gomes BFO, Resende P, Petriz JLF, Rizk SI, Costa IBSS, LacerdaMVG, Bacal F, Hajjar LA, OliveiraGMM; Obtenção de dados: Nascimento JHP, Gomes BFO, Resende P, Petriz JLF, Costa IBSS, Lacerda MVG, Bacal F, Hajjar LA, Oliveira GMM; Análise e interpretação dos dados: Nascimento JHP, Gomes BFO, Resende P, Petriz JLF, Rizk SI, Costa IBSS, Hajjar LA, Oliveira GMM; Análise estatística: Nascimento JHP, Gomes BFO, Resende P, Petriz JLF, OliveiraGMM; Obtenção de financiamento: Lacerda MVG; Redação do manuscrito: Nascimento JHP, Gomes BFO, Resende P, Petriz JLF, Lacerda MVG, Bacal F, Oliveira GMM. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento Opresente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Este artigo é parte de dissertação de Jorge Henrique Paiter Nascimento Mestrado de pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aprovação ética e consentimento informado Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores. 831

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