ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Ponto de Vista COVID-19 e Estado de Hipercoagulabilidade: Uma Nova Perspectiva Terapêutica COVID-19 and Hypercoagulable State: A New Therapeutic Perspective Jorge Henrique Paiter Nascimento, 1 Bruno Ferraz de Oliveira Gomes, 1, 2 Plínio Resende do Carmo Júnior, 1 João Luiz Fernandes Petriz, 2,3 Stephanie Itala Rizk, 4,5 Isabela Bispo Santos da Silva Costa, 6 Marcus Vinicius Guimarães Lacerda, 7 Fernando Bacal, 8 Ludhmila Abrahão Hajjar, 9 Gláucia Maria Moraes de Oliveira 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Cardiologia, 1 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Rede D’Or São Luiz – Cardiologia ,2 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Hospital Barra D’Or – Cardiologia, 3 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Universidade de São Paulo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, 4 São Paulo, SP - Brasil Universidade de São Paulo Instituto do Coração, 5 São Paulo, SP - Brasil Hospital Sírio-Libanês - Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa, 6 São Paulo, SP - Brasil Fundação de Medicina Tropical Dr Heitor Vieira Dourado, 7 Manaus, AM - Brasil Universidade de São Paulo Faculdade de Medicina Hospital das Clínicas Instituto do Coração, 8 São Paulo, SP - Brasil Intituto de Coração – Cardiopneumologia, 9 São Paulo, SP – Brasil O novo coronavírus, designado como vírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2, sigla em inglês), é o responsável pelo surto da pneumonia viral que foi identificada pela primeira vez na cidade chinesa de Wuhan ao final de 2019 e que rapidamente se espalhou acometendo 184 países. A experiência adquirida nos últimos meses descreve diferentes apresentações clínicas com gravidade variável, desde infecção assintomática até óbito por disfunção orgânica múltipla. Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o complexo processo de adoecimento por esse vírus como doença causada pelo coronavírus 2019 (COVID-19, sigla em inglês). A COVID-19, cuja notificação é crescente em diferentes países, atualmente afeta mais de um milhão de pessoas, segundo a OMS, que a caracterizou como pandemia. 1 No Brasil, até o dia 29 de abril de 2020, foram confirmados 73.235 casos da infecção e 5.083 óbitos, com taxa de letalidade de 6,9%. 2 A hospitalização é necessária em até 20% dos pacientes infectados por SARS-CoV-2, e 5% a 10% deles terão indicação de internação em terapia intensiva por necessidade de suporte hemodinâmico e/ou ventilatório. 3-7 A taxa de mortalidade varia de 0,8% a 12% de acordo com o país, possivelmente como consequência de múltiplos fatores, dos quais se destaca a estrutura do sistema de saúde. 8-11 Os pacientes que desenvolvem as formas moderada e grave da doença apresentam manifestações predominantemente decorrentes de acometimento do sistema respiratório, com quadro clínico variando de pneumonia leve a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). 7,11-13 As complicações, em geral, ocorrem entre o 7º e o 12º dia da doença. 3,14 A SDRA é a manifestação clínica mais grave e caracteriza-se por hipoxemia, infiltrado pulmonar bilateral e fenótipos variáveis de apresentação, como o perfil de complacência pulmonar normal e baixo potencial de recrutamento pulmonar até o perfil de baixa complacência pulmonar e alto potencial de recrutamento pulmonar. De 20% a 30% dos pacientes terão complicações cardiovasculares, como isquemia miocárdica, síndrome coronária aguda, miocardite, arritmias, insuficiência cardíaca e choque. Insuficiência renal ocorre em aproximadamente 30-50% dos pacientes críticos infectados pelo SARS-CoV-2 e 30% deles necessitarão de terapia de substituição renal. 14-17 O SARS-CoV-2 entra nas células via receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), que está presente nos alvéolos. A forma grave da infecção é caracterizada por uma resposta inflamatória imunológica intensa, evidenciada pela presença de neutrófilos, linfócitos, monócitos e macrófagos. 18 Necrópsias minimamente invasivas revelam dano alveolar difuso, formação de membrana hialina e infiltrado inflamatório intersticial mononuclear, com trombose emmicrocirculação. 17 Foram relatados nesses pacientes níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas 1 e 6, fator de necrose tumoral e interferon- g ) no sangue, uma condição denominada “tempestade de citocinas”. Trombose e danos a órgãos extrapulmonares também são observados sem a presença comprovada do vírus nos locais, postulando-se que a infecção pelo SARS-CoV-2 envolva intensa resposta inflamatória, com estado de hipercoagulabilidade e isquemia, agravados por hipoxemia. 17,19,20 No Brasil, achados preliminares de autópsias minimamente invasivas realizadas por pesquisadores da Faculdade de Medicina de São Paulo mostraram resultados semelhantes aos encontrados na China. 21 Correspondência: Gláucia Maria Moraes de Oliveira • Universidade Federal do Rio de Janeiro – Cardiologia - Universidade Federal do Rio de Janeiro Rua Visconde de Pirajá, 330 Sala 1114. CEP 21941-901, Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: glauciamoraesoliveira@gmail.com Artigo recebido em 10/04/2020, revisado em 15/04/2020, aceito em 15/04/2020 Palavras-chave COVID-2019; Betacoronavirus; Doença Catastrófica; Pneumonia Viral; Pandemias; Infecções por Coronavirus; Complicações Cardiovasculares; Trombofilia; Anticoagulantes/ uso terapêutico. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200308 829

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=