ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Artigo de Revisão Costa et al. O coração e a COVID-19 Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):805-816 com suporte inotrópico e/ou circulatório. Nos casos críticos, o ecocardiograma dinâmico deve ser realizado diariamente e a cada mudança hemodinâmica. A ressonância magnética deve ser considerada em pacientes estáveis e pode auxiliar no diagnóstico diferencial da etiologia da disfunção ventricular, que pode estar relacionada a miocardite ou disfunção sistólica induzida por estresse. O diagnóstico de miocardite segue os critérios clássicos já validados para outras etiologias virais, nas quais podem ser observados edema miocárdico e realce tardio miocárdico de padrão não isquêmico. 37-39 Manejo do paciente com COVID-19 Abordagem inicial e suporte intensivo. O tempo médio de início dos sintomas é de 4 a 5 dias, sendo que 97,5% dos contaminados vão desenvolvê-los em até 11,5 dias da exposição. 32 A maioria dos pacientes (81%) vai apresentar sintomas leves, os principais sendo febre (88%) e tosse (67,7%). Outros menos frequentes são diarreia, mialgia, cefaleia e coriza. Aproximadamente 20% dos pacientes evoluirão de forma grave, com dispneia, taquipneia, saturação de oxigênio ≤93% e infiltrado pulmonar, e 5% desses apresentarão um quadro crítico, com sinais de choque e falência respiratória. 1,40 Os pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos e clinicamente estáveis não necessitam de internação hospitalar, em sua maioria. Aqueles com sintomas graves e evolução desfavorável vão requerer internação hospitalar. A avaliação inicial deve incluir: ECG, gasometria arterial com lactato, dímero-D, hemograma completo, avaliação de funções renal e hepática, fatores de coagulação, troponina, creatinofosfoquinase, ferritina, DHL, IL-6 e eletrólitos (sódio, magnésio, potássio e cálcio). Deve-se realizar radiografia de tórax e considerar a tomografia computadorizada (TC) de tórax em alguns casos. A TC mostra anormalidades em 85% dos pacientes, observando-se, em 75% deles, envolvimento pulmonar bilateral, comumente caracterizado por áreas de vidro fosco e consolidações subpleurais e periféricas. 41 Aqueles com indicação de internação deverão ser submetidos a uma ecocardiografia na sala de emergência ou nas primeiras horas da admissão hospitalar. O curso clínico é variável e potencialmente grave, pois 3,4% dos pacientes evoluem para SDRA, 32 uma proporção que aumenta nas coortes daqueles internados pela doença (19,6%) e naqueles com injúria miocárdica (58,5%). 9,11 A definição de SDRA é baseada nos critérios de Berlim: início agudo de lesão pulmonar, opacidades pulmonares bilaterais na radiografia de tórax e edema pulmonar. A definição de Berlim da SDRA estratifica a gravidade da lesão pulmonar com base na relação entre a pressão parcial arterial de oxigênio (PaO 2 ) e a fração de oxigênio inalado (FiO 2 ), medida em uma pressão expiratória final pulmonar (PEEP) ou pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ≥ 5 cmH 2 O. Considera-se SDRA grave quando PaO 2 /FiO 2 é <100. 42 A ventilação mecânica é recomendada na presença de hipoxemia apesar da oferta de oxigênio. Estratégias de ventilação mecânica protetora devem ser empregadas, volume corrente de 6 ml/kg, com pressão de platô < 30 cmH 2 O e PEEP ajustada conforme FiO 2 . Os pacientes costumam apresentar boa complacência pulmonar apesar da hipoxemia grave. Naqueles com SDRA e PaO 2 /FiO 2 ≤ 150, deve-se considerar a posição de pronação. Se houver dissincronia significativa com a ventilação mecânica, bloqueio neuromuscular pode ser realizado. 43 A monitorização hemodinâmica deve ser cogitada em todos os pacientes internados emUTI e com sinais de choque. A avaliação commonitores de débito minimamente invasivos e a avaliação contínua do débito cardíaco é uma estratégia a se considerar em associação com a ecocardiografia dinâmica e com a análise de marcadores de hipoperfusão tecidual, como parâmetros clínicos e a dosagem do lactato arterial, do deltaPCO 2 e do excesso de bases. Na presença de choque, a norepinefrina é o fármaco de escolha, sendo recomendada a associação da vasopressina se forem necessárias doses crescentes de noradrenalina para otimização hemodinâmica. 44 Sugere-se associação da dobutamina nos casos de disfunção cardíaca. 44 Recomenda-se o início imediato de norepinefrina, mesmo no acesso periférico, evitando-se a hipotensão prolongada, que resulta em elevadas taxas de mortalidade. A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) pode ser necessária em pacientes com insuficiência respiratória aguda refratária às medidas iniciais. 45,46 A princípio, a indicação é de uma ECMO venovenosa para recuperação da função pulmonar. 46,47 Quando associada a acometimento cardiovascular importante em pacientes com disfunção ventricular grave e/ou choque cardiogênico, a ECMO venoarterial pode ser considerada. 48 A ECMO deve ser iniciada antes da instalação de falência múltipla de órgãos. 49 Tratamento específico. Até o momento, o tratamento do paciente crítico tem sido fundamentalmente pautado em medidas de suporte às disfunções orgânicas. Desde o início da pandemia, buscou-se um tratamento antiviral eficaz para a COVID-19. Na China e na Itália, nos casos graves, de uma maneira individualizada a depender da instituição, medicamentos como cloroquina (CQ) ou HCQ, lopinavir/ritonavir, remdesivir e favipiravir têm sido utilizados. Remdesivir e favipiravir são antivirais de amplo espectro, cuja eficácia e segurança no manejo de pacientes com COVID-19 estão sendo avaliadas em ensaios clínicos randomizados. 50 A combinação lopinavir/ritonavir, utilizada no manejo da infecção pelo HIV, demonstrou, em estudo recente randomizado e controlado, ser ineficaz na infecção pelo SARS-CoV-2. 50 O difosfato de CQ e o sulfato de HCQ são medicações sabidamente úteis no tratamento da malária e de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. Em estudos experimentais, a CQ e a HCQ têm ação contra o SARS-CoV-2, por interferir com a glicosilação da ECA2 e assim reduzir a eficiência da ligação entre a ECA2 das células do hospedeiro e a proteína da superfície do coronavírus. Aqueles fármacos também agem aumentando o pH dos endossomos e lisossomos, através dos quais o processo de fusão do vírus com as células do hospedeiro e a subsequente replicação viral são inibidos. Além disso, a HCQ bloqueia a apresentação de antígeno viral às células T e a transcrição de genes pró-inflamatórios, impedindo a liberação de citocinas. Portanto, em estudos experimentais, a CQ e a HCQ impedem a entrada e a replicação viral além de atenuar 811

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=