ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Artigo de Revisão Costa et al. O coração e a COVID-19 Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):805-816 significativamente maiores naqueles com a forma grave da COVID-19 em comparação àqueles com a forma não grave. 16 Os pacientes com injúria miocárdica internaram mais em unidade de terapia intensiva (UTI) (22,2% vs. 2,0%), tiveram maior incidência de IC (52% vs 12%) e maior taxa de óbito (59% vs. 1%). 1,9 Shi et al. avaliaram 416 pacientes internados por COVID-19 e observaram que a injúria miocárdica, definida pela elevação dos níveis de troponina maior que o percentil 99 do valor de referência, é complicação frequente (19,7%) nesses pacientes e está associada com aumento de mortalidade e SDRA. 11 No modelo de análise multivariada, injúria miocárdica e SDRA foram preditores independente de mortalidade (HR de 4,26 e 7,89, respectivamente). 11 Em estudo recente publicado por Guo et al., 27,8% de 187 pacientes apresentavam elevação de troponina. A mortalidade foi de 7,6% em pacientes sem DCV e com níveis normais de troponina, de 13,3% em pacientes com DCV e troponina normal, de 37,5% em pacientes sem DCV e troponina elevada, e de 69,4% em pacientes com DCV e troponina alterada. Houve forte correlação entre níveis altos de troponina e aumento de proteína C reativa e de NT-proBNP. Pacientes com níveis aumentados de troponina tiveram maior incidência de arritmias ventriculares e maior necessidade de ventilação mecânica. 10 Complicações cardiovasculares, como IC, miocardite, infarto agudo do miocárdico, choque e arritmias, também são frequentes em pacientes com injúria miocárdica. Em uma coorte com 150 pacientes, 7% deles desenvolveram dano miocárdio e IC irreversíveis, associados a elevações significativas dos níveis de troponina. 17 Arritmias malignas (taquicardia ventricular com degeneração para fibrilação ventricular ou instabilidade hemodinâmica) foram observadas com maior frequência nos grupos com elevação dos níveis de troponina (11,5% vs 5,2%). 10 Pacientes com COVID-19, quando apresentam a forma grave da doença, podem evoluir rapidamente para quadro com importante comprometimento cardiovascular, choque e falência múltipla de órgãos. Nas coortes chinesas com pacientes internados, até 20% evoluíram para quadros graves com choque. 9,12 Miocardite pode estar relacionada a falência cardíaca aguda nos pacientes com COVID-19. Foram descritos casos de miocardite relacionada à COVID-19, como miocardite fulminante, de rápida evolução e disfunção ventricular importante, associada a edema miocárdico difuso. Alterações eletrocardiográficas e elevação de troponina estavam presentes nesses pacientes. 14,18,19 Apesar de não haver relato de ST diretamente relacionada à COVID-19, postula-se que alguns casos de disfunção ventricular nesses pacientes possam decorrer dessa síndrome. A ST é complicação frequente em indivíduos com resposta inflamatória sistêmica exacerbada, funcionando o estresse e a gravidade da infecção viral como gatilho para a ST. 20 Interação do SARS-CoV-2 com a enzima de conversão da angiotensina 2 Alguns estudos sugerem que a lesão ao sistema cardiovascular secundária ao vírus possa estar relacionada à enzima de conversão da angiotensina 2 (ECA2). 13,15 A ECA2 está relacionada ao sistema imune e presente em alta concentração no pulmão e no coração. A ECA2 regula negativamente o sistema renina angiotensina pela inativação da angiotensina-2 e provavelmente tem um papel protetor contra o desenvolvimento de insuficiência respiratória e sua progressão. O SARS-CoV-2 contém quatro proteínas estruturais principais: a proteína spike (S), a proteína nucleocapsídeo (N), a proteína membrana (M) e o envelope proteico (E). O vírus liga-se por meio da proteína spike ao receptor da ECA2 e, por meio dessa ligação, entra na célula hospedeira (Figura 2), onde ocorre a inativação da ECA2, o que favorece a lesão pulmonar. Como a ECA2 apresenta concentrações elevadas no coração, lesões potencialmente graves ao sistema cardiovascular podem ocorrer. 13,21 Pacientes com DCV preexistente parecem ter níveis séricos aumentados da ECA2, o que pode contribuir para as manifestações mais graves nessa população. 22-24 Da mesma forma, indivíduos com hipertensão arterial apresentariam maior expressão da ECA2 secundária ao uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA), o que potencialmente aumentaria a susceptibilidade à infecção pelo SARS-CoV-2. 4 Entretanto, os estudos atuais em humanos apresentaram limitações: a) avaliaram um número pequeno de indivíduos em uso dessas medicações, e b) grande parte dos analisados era de idosos, fator confundidor importante, uma vez que a idade avançada aumenta a susceptibilidade à infecção, além de esse ser o principal fator de mau prognóstico. 25 Outro ponto a ser considerado é que, apesar de a ECA2 e a ECA serem enzimas com estruturas homólogas, os sítios de ativação são distintos e, dessa forma, a inibição da ECA não teria efeito direto sobre a atividade da ECA2; essa enzima tem papel bem reconhecido na recuperação da função ventricular em pacientes com lesão miocárdica, por sua inibição da atividade da angiotensina II. 26 Por outro lado, sugere-se que a angiotensina II seja responsável pelo dano cardíaco do coronavírus e a administração de ECA2 recombinante normalizaria os níveis de angiotensina II. Estudos estão sendo realizados com ECA2 recombinante e com losartana. 25 A recomendação atual é que os IECA e os BRA sejam mantidos nos pacientes que já estão em uso regular dessas medicações pelo claro benefício do controle pressóricos e da diminuição de mortalidade naqueles com IC, como evidenciado em estudos randomizados. 27,28 Nas formas graves da COVID-19, deve-se avaliar individualmente a estabilidade hemodinâmica e a função renal antes de decidir pela manutenção ou suspensão das medicações. A doença cardiovascular como grupo de risco para forma grave de COVID-19 Pacientes com fatores de risco cardiovasculares (idade avançada, hipertensão e diabetes), assim como aqueles com DCV (doença arterial coronária, cardiomiopatias e doença cerebrovascular) estão suscetíveis a desenvolver a forma grave da doença e complicações cardiovasculares, sendo classificados como grupo de risco. Aproximadamente 80% dos pacientes com a forma grave da doença têm alguma 807

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