ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Artigo Original Bianco et al. Ablação de Flutter e Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):775-782 dislipidemia, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes mellitus, doença vascular e AVC/AIT (acidente vascular cerebral/ ataque isquêmico transitório) prévio e a utilização de anticoagulantes orais e drogas antiarrítmicas. Eficácia e segurança dos procedimentos A taxa de recorrência de FLA-ICT após a ablação foi de 11,5%. A Tabela 2 resume os resultados dos procedimentos bem como a taxa de complicação. Houve rotura e embolização de ponta de uma bainha transeptal com curva fixa utilizada para estabilizar o cateter de ablação (taxa de complicação de 1,2%), que se alojou em um ramo distal da artéria pulmonar esquerda e não necessitou de intervenção cirúrgica para ser removida. A curva de Kaplan-Meier (Figura 2) mostra a ocorrência de FA de 53,6% após a ablação de FLA-ICT ao longo do tempo. Observa-se que a ocorrência de FA foi mais comum no primeiro ano após a ablação do FLA-ICT. Preditores de ocorrência de FA pós-ablação de FLA-ICT Na análise univariada foram encontrados preditores estatisticamente significativos para ocorrência de FA após o procedimento de ablação de FLA-ICT. As variáveis história de insuficiência renal (OR = 3,88 [IC 95% 0,99-15,1] p = 0,05) e hipertensão arterial sistêmica (OR = 2,15 [IC 95% 0,86- 5,39] p = 0,10) foram inseridas nos modelos multivariados, no entanto não apresentaram significância estatística após ajuste do modelo (Tabela 3). A figura 3 mostra a distribuição dos escores HATCH e CHA2DS2-VASC de acordo com a ocorrência ou não de FA após o procedimento de ablação do FLA-ICT. Não houve diferença significativa entre os dois grupos. A distribuição dos valores do escore HATCH de acordo com a ocorrência ou não de FA pós-procedimento foi de 1 (1-3) no grupo com ocorrência de FA e de 1 (0-3) no grupo sem FA. Para o escore CHA2DS2-VASC, a distribuição foi de 3 (2-4) entre os pacientes com FA e de 3 (1-4) nos pacientes sem FA. Discussão Os principais achados deste estudo são: (1) a ablação de FLA-ICT é um procedimento eficaz e seguro, com baixas taxas de complicações (1,2%), (2) a ocorrência de FA após ablação de FLA-ICT é frequente (53,6%) em pacientes sem história prévia de FA, e (3) não houve critérios ou escores preditores para a ocorrência de FA após ablação de FLA-ICT. Ablação por radiofrequência de FLA-ICT A ablação por radiofrequência dos circuitos arritmogênicos do FLA-ICT é um procedimento com altos índices de sucesso, com resultados superiores ao uso exclusivo de medicamentos antiarrítmicos. 9,12 Dentre os efeitos colaterais conhecidos, em casos de recorrência do FLA-ICT, o uso de drogas antiarrítmicas como a propafenona pode facilitar a condução atrioventricular e aumentar a resposta ventricular com eventual instabilidade hemodinâmica. Além disso, não há melhora da qualidade de vida dos pacientes com tratamento por drogas antiarrítmicas, e 63% dos pacientes acabam sendo re-hospitalizados.13 Por esses motivos, a ablação por radiofrequência é recomendada como tratamento de escolha do FLA-ICT. Em meta-análise recente, Pérez et al. 1 descrevem taxa de recorrência de FLA-ICT de 10,6%, semelhante à descrita neste estudo, e taxas de complicações variam até 2,6%. 1,3 Pacientes com FLA-ICT submetidos à ablação com sucesso apresentam menor mortalidade e menor risco de AVC e eventos tromboembólicos em geral, comparativamente aos pacientes tratados com terapia medicamentosa exclusiva. 3 No presente estudo, foram encontradas taxas de recorrência de FLA-ICT de 11,5% e complicações de 1,2%. Não houve nenhum evento embólico, derrame pericárdico ou óbito na amostra estudada apesar do longo tempo de seguimento dos pacientes. Ocorrência de FA pós-ablação de FLA-ICT Em nosso estudo, foi encontrada taxa de ocorrência de FA pós-ablação de FLA-ICT de 53,6%. O aparecimento de FA após a ablação de FLA-ICT possui relevância clínica devido ao elevado risco de eventos tromboembólicos associados a essa arritmia, em especial o AVC. A presença de FA está associada a um aumento de quatro a cinco vezes no risco de AVC isquêmico. Os AVCs causados pela FA possuem maior mortalidade e provocam déficits funcionais mais severos. 14,15 Dessa maneira, não apenas os pacientes com FA têm maior risco de apresentar AVC, como também os AVCs que ocorrem nesses pacientes são mais graves e debilitantes. Em estudo envolvendo uma população de pacientes submetidos à ablação de FLA-ICT, a incidência de AVC ao longo de um seguimento médio de 40 meses pós-procedimento foi 4 vezes maior do que na população geral, e o único fator de risco identificado foi a ocorrência de FA pós-ablação de FLA- ICT. 16 Por esse motivo, tendo em vista a alta incidência de FA nesta população, a interrupção do uso de anticoagulantes orais pode expô-los ao risco de eventos tromboembólicos, devendo ser avaliada individualmente levando-se em conta o CHA2DS2-VASC do paciente com flutter atrial tal como se utiliza em pacientes com FA. 17 Assim sendo, uma parcela significativa dos pacientes continua sintomática em função da FA que passa a se manifestar clinicamente após a ablação de FLA-ICT. Um segundo procedimento de ablação, pode ser, então, necessário para o controle da FA. Apesar de o isolamento das veias pulmonares por ablação com radiofrequência, necessário para o tratamento da FA, ser um procedimento de maior complexidade, com maiores riscos e custos comparativamente à ablação de FLA-ICT, uma alternativa Tabela 2 – Resultado dos procedimentos: eficácia e segurança em 84 pacientes submetidos exclusivamente a ablação do istmo cavo- tricuspídeo para tratamento do flutter atrial comum Evento n (%) Ocorrência de FA pós-ablação 45 (53,6) Recorrência de flutter 10 (11,5) Complicação da ablação do FLA-ICT 1 (1,2) FA: fibrilação atrial; FLA-ICT: flutter atrial dependente de istmo cavo- tricuspídeo. 778

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