ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):943-987 Diretrizes Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020 Antes de iniciar a prática de exercícios, os pacientes com quadro prévio de miocardite devem ser submetidos a ecocardiograma, Holter de 24 horas e teste de exercício em um período não inferior a 3 a 6 meses após a doença aguda. 269,283 Depois dessa avaliação, casos selecionados podem iniciar exercícios moderados na RCV, visando os benefícios gerais obtidos com os pacientes com IC. No âmbito esportivo, é razoável que atletas retornem a sua rotina normal de treinamento apenas se houver: retorno da função sistólica a valores normais; marcadores de necrose miocárdica e inflamação dentro dos valores normais e ausência de arritmias clinicamente significativas no Holter e no teste de exercício. Ressalta-se que o significado clínico da permanência de realce tardio na ressonância de pacientes pós‑miocardite, com resolução do quadro, ainda é desconhecido. Sendo assim, parece razoável que aqueles com pequenas áreas de realce e sem arritmias significativas no Holter e no exercício possam retornar à atividade esportiva, mantendo acompanhamento clínico. 269 Em casos crônicos, em que a disfunção ventricular persiste ao longo do seguimento, o paciente deve seguir as recomendações gerais para a RCV descritas para a IC crônica (ver Tabela 6). 6.6.3. Outras Miocardiopatias 6.6.3.1. Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito (CAVD) é uma doença hereditária que está associada à MS em jovens e atletas. Patologicamente, ocorre perda de miócitos, com substituição fibroadiposa, principalmente no miocárdio do ventrículo direito, embora o acometimento isolado do ventrículo esquerdo ou o biventricular também possam ocorrer. 291 Há evidências, em modelo experimental animal, de que o exercício aumenta a penetrância e o risco de arritmias em portadores de mutações tradicionais da CAVD. 292 Em indivíduos com genótipos positivos, o aumento do risco de arritmias com o exercício também já foi confirmado. Os eventos de taquiarritmias ventriculares e MS geralmente ocorrem durante o esforço, incluindo esportes e exercícios de endurance , com um aumento no risco de taquicardia, fibrilação ventricular e IC. 293 Já foi demonstrado que indivíduos com CAVD envolvidos em esportes competitivos apresentaram maior ocorrência de taquiarritmias ventriculares e MS, além de início mais precoce dos sintomas, comparados com aqueles que participaram apenas de atividade física leve e sedentários. 270 A redução da intensidade do exercício foi associada à diminuição substancial do risco de taquiarritmias ventriculares ou morte, principalmente nos pacientes sem mutação desmossomal detectada e com CDI para prevenção primária. 294 Portanto, a evidência científica sugere que a participação em esportes e exercício intenso está associada ao início precoce dos sintomas e maior risco de arritmias ventriculares e eventos maiores em pacientes com CAVD. Sendo assim, devem ser desqualificados para a prática esportiva. 269, 276 Em relação à participação em programas de RCV, não há dados científicos que indiquem ou que sugiram benefícios dos exercícios físicos para os pacientes com CAVD. Por outro lado, mantê-los sedentários, contribuindo para a baixa aptidão física, também pode não ser apropriado, visto que existe associação geral de baixa aptidão física com mortalidade. 14,21 Em um pequeno estudo observacional com pacientes com CAVD, não foi observada diferença na taxa de mortalidade entre os indivíduos inativos e os que realizaram apenas atividades físicas recreacionais. 270 Desse modo, pode-se supor que a participação dos pacientes em um programa de RCV supervisionado, com exercícios de leve a moderada intensidade, pode não ser deletéria. Dependendo de outras características clínicas dos indivíduos, como presença de fatores de risco cardiovasculares, os exercícios físicos poderiam ser prescritos para o controle dessas condições. Portanto, a inclusão de um paciente com CAVD em programas de RCV somente deve ser realizada após a avaliação médica pré-participação e o rigoroso ponderamento entre os riscos e benefícios dos exercícios físicos. Devem ser discutidas as opções com o paciente, expondo a ausência de benefícios comprovados versus riscos potenciais do sedentarismo e baixa aptidão física. Cabe ao paciente escolher a opção, de acordo com suas preferências pessoais. No contexto da RCV, extrapolando os achados em atletas, sugere-se também restrição a maiores intensidades de treinamento. Os pacientes com CAVD poderiam realizar exercícios físicos supervisionados de leve amoderada intensidade. 6.6.3.2. Miocardiopatia Não Compactada A miocardiopatia não compactada (MNC) é uma doença cardíaca que ocorre devido à interrupção embrionária da compactação miocárdica. Caracteriza-se por espessamento segmentar das paredes do ventrículo esquerdo, consistindo em duas camadas: uma epicárdica compactada e uma endocárdica com marcadas trabeculações e recessos intratrabeculares profundos, onde os espaços são preenchidos pelo fluxo sanguíneo. 295,296 Sua incidência e prevalência são incertas, segundo alguns registros ecocardiográficos, em torno de 0,02 a 0,05%. 297 Clinicamente, pode ser assintomática ou cursar com sintomas de IC, arritmias ventriculares e/ou atriais, pré-excitação, eventos tromboembólicos ou MS. Não existem critérios universalmente aceitos para o diagnóstico morfológico. Contudo, a relação entre miocárdio não compactado/ compactado superior a 2,1:1 no final da sístole ao ecocardiograma ou 2,3:1 no final da sístole na RMN tem sido o critério proposto mais aceito atualmente. 298 Ainda não está estabelecido como o treinamento físico pode influenciar a MNC ou a frequência de aparecimento da morfologia de não compactação na população. 299,300 Em estudos recentes, atletas revelaram alta prevalência de aumento da trabeculação ventricular, quando comparados a um grupo controle (18,3 versus 7%). Acredita-se que o aumento da trabeculação ventricular ou a existência de critérios ecocardiográficos isolados para miocardiopatias tenham, provavelmente, pequena significância e possam ser 969

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