ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):943-987 Diretrizes Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020 O paciente submetido à RCV pode apresentar uma série de adaptações fisiológicas relacionadas ao exercício, como, por exemplo, modulação favorável do sistema nervoso autônomo (maior tônus vagal), com maior variabilidade de FC, redução da FC basal, redução do duplo produto de repouso e melhora da função endotelial, 190 o que pode significar menor necessidade de fármacos usados no tratamento das DCV, sendo papel do médico de reabilitação discutir com o médico assistente sobre a eventual necessidade de ajustes farmacológicos. 6.4. Insuficiência Cardíaca A IC crônica é uma síndrome complexa que compromete múltiplos sistemas, ocasionando como principais sintomas a dispneia e intolerância progressiva ao esforço físico. Apesar dos recentes avanços na terapêutica farmacológica, com redução da elevada morbimortalidade, os sintomas tendem a persistir, comprometendo a qualidade de vida dos pacientes. Existem evidências consistentes de que a redução do nível de atividade física na IC desencadeia um círculo vicioso, que contribui para aumentar os sintomas e a intolerância ao exercício, secundários à redução da capacidade funcional, produzindo efeitos psicológicos negativos, 191 deterioração da vasorreatividade periférica com disfunção endotelial 192 e inflamação crônica. 193 Nesse contexto, o exercício físico se estabeleceu como estratégia terapêutica segura, que atenua os efeitos do descondicionamento físico progressivo decorrente da evolução natural da doença. 194 Estudos randomizados pequenos, revisões sistemáticas e meta-análises têm consistentemente demonstrado que o treinamento físico regular é seguro, aumenta a tolerância aos exercícios, melhora a qualidade de vida e reduz hospitalizações por IC. 195-197 No entanto, um único e grande estudo randomizado multicêntrico, o HF-ACTION, 198 revelou apenas uma modesta, mas não significativa, redução nos desfechos primários de morte e hospitalizações por todas as causas, embora tenha demonstrado benefícios importantes na qualidade de vida e redução da taxa de hospitalizações por IC. Como crítica à pesquisa, há que se considerar que a baixa adesão aos exercícios provavelmente prejudicou a eficácia da intervenção, hipótese que foi confirmada posteriormente em outro estudo, que demonstrou ser a adesão aos exercícios fator determinante para a obtenção de benefícios a médio prazo. 199 Em uma revisão sistemática 2 sobre treinamento físico em pacientes com IC, que analisou 33 estudos randomizados com inclusão de 4.740 pacientes com predomínio FEVE reduzida, houve tendência à redução da mortalidade total com os exercícios físicos após um ano de seguimento. Comparado ao controle, o grupo de treinamento físico teve menor taxa de hospitalização por IC e melhora da qualidade de vida. Quanto aos benefícios nas mulheres com IC, os estudos disponíveis sugerem que são positivos e equivalentes aos observados nos homens. 200 Para pacientes com sintomas avançados (classe IV da NYHA – New York Heart Association ), ainda não há dados suficientes para indicar programas de exercício, pois apenas um estudo randomizado brasileiro testou um programa de exercícios diários em cicloergômetro com ventilação não invasiva. Foram avaliados pacientes internados com IC descompensada, sendo observados benefícios funcionais e redução do tempo de internação. 201 Portanto, para um grau de recomendação mais forte, há necessidade de mais estudos que confirmem os resultados iniciais. Na IC com FEVE preservada há evidências recentes provenientes de estudos randomizados pequenos e revisão sistemática que mostraram benefícios no VO 2 pico medido pelo TCPE, 202,203 na qualidade de vida 203,204 e na função diastólica avaliada pelo ecocardiograma. 205,206 Diante dessas evidências, a RCV com exercícios é recomendada na IC (Tabela 6), quer a FEVE esteja preservada ou reduzida. Assim, políticas públicas devem ser adotadas para que maior número de pacientes elegíveis se beneficie do tratamento em programas estruturados de RCV. 207 Os exercícios físicos, apenas não devem ser prescritos para pacientes com IC clinicamente instáveis, com quadro de miocardite aguda ou na ocorrência de processos infecciosos agudos sistêmicos (Classe IIIC). 6.4.1. Prescrição dos Exercícios Físicos e Avaliação Pré‑participação Internacionalmente, os programas de RCV são implementados com vários formatos, utilizando-se modalidades isoladas ou associadas. Os exercícios aplicados podem ser aeróbicos (moderada e/ou alta intensidade), de resistência muscular localizada e treinamento de musculatura respiratória (Figura 2). Tabela 6 – Indicação de reabilitação cardiovascular na insuficiência cardíaca Indicação Recomendação Nível de evidência Exercícios aeróbicos regulares em pacientes com IC para aumentar a capacidade funcional, reduzir sintomas e melhorar qualidade de vida 2,195-199,205 I A Exercícios aeróbicos regulares em pacientes com FEVE reduzida para diminuir hospitalizações por IC 2,198 I A Exercícios aeróbicos em pacientes com FEVE preservada para aumentar capacidade funcional e melhorar a função diastólica 203,205,206 IIa B Exercícios aeróbicos de baixa intensidade na fase hospitalar da IC com ventilação não invasiva 201 IIb B/C IC: insuficiência cardíaca; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo. 961

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