ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):943-987 Diretrizes Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020 4. Custo-efetividade da Reabilitação Cardiovascular Segundo a Organização Mundial da Saúde, entre 2000 e 2016 o aumento mundial dos gastos com saúde no mundo foi maior do que o crescimento da economia global, chegando a 7,5 trilhões de dólares em 2016. 38 Em relação às DCV, 863 bilhões de dólares foram gastos mundialmente em 2010, estimando-se que em 2030 chegue a 1,04 trilhão de dólares. 39 No Brasil, onde quase 50% dos gastos com saúde são financiados pelo governo, 40 observa-se situação semelhante, pois as DCV constituem o grupo que ocasiona o maior gasto com internações no Sistema Único de Saúde, sendo a principal causa de aposentadorias por invalidez. 41-45 Em 2015, em relação às DCV, estima-se que o gasto público com internações hospitalares e consultas tenha sido superior a 5 bilhões de reais e o gasto por afastamentos temporários ou permanentes superior a 380 milhões de reais. 40 Portanto, o impacto econômico provocado pelas DCV, aliado à obrigatoriedade do uso consequente e racional de recursos financeiros, exige a implementação em larga escala de modelos de baixo custo, viabilizando o atendimento demaior número de pacientes. Em coronariopatas estáveis, a RCV é uma estratégia que, em termos de custo-efetividade, supera, com largamargem, procedimentos amplamente utilizados no país, tais como a intervenção coronariana percutânea (ICP). 46,47 Além disso, sua utilização em maior escala proporcionaria redução nos gastos com saúde, em decorrência da diminuição de novos eventos cardiovasculares, reinternações hospitalares e tratamentos intervencionistas. 48,49 Assim, sua disseminação deveria ser considerada uma estratégia de saúde pública prioritária. A determinação da custo-efetividade, que se faz por análise combinada das consequências clínicas (efetividade) e do gasto financeiro do sistema de saúde, é fundamental para avaliar a pertinência da implementação em larga escala de determinado tratamento. 50-52 De acordo com Georgiou et al., 53 são consideradas medidas de excelente custo‑efetividade as que exigem investimentos inferiores a 20.000 dólares para salvar uma vida por ano (VSA), sendo aceitáveis as que exigem investimentos entre 20.000 e 40.000 dólares e inaceitáveis aquelas que exigem investimentos acima de 40.000 dólares por VSA. De acordo com os dados disponíveis entre 1985 e 2004, a RCV foi considerada uma intervenção com excelente relação de custo-efetividade, na medida em que a sua adição ao tratamento convencional resultou em um aumento de gastos de 2.193 a 28.193 dólares por VSA. Em 2005, Papadakis et al. 23 publicaram a primeira revisão sistemática de estudos sobre custo-efetividade da RCV como prevenção secundária em pacientes portadores de DAC e IC. 23 Em artigo de 2018, 54 a avaliação de estudos publicados após 2001 mostrou uma relação de custo-efetividade muito semelhante à descrita anteriormente, sendo o aumento dos gastos com a adição da RCV ao tratamento convencional situado entre 2.555 e 23.598 dólares por VSA. Cabe ainda destacar que, apesar de mais de 75% das mortes por DCV ocorrerem em países de média e baixa renda per capita , 55 há uma escassez de dados sobre custo‑efetividade da RCV nesses países. 56 A maioria das informações é oriunda de nações de alta renda per capita , como Estados Unidos, Canadá e países europeus, dificultando a extrapolação dos resultados para a realidade brasileira. Entretanto, vale ressaltar que os poucos estudos disponíveis nos países de média e baixa renda mostram a mesma tendência. No Brasil, a incorporação da reabilitação ao tratamento convencional de pacientes com IC resultou em um aumento de gasto de 21.169 dólares por VSA. 57 No entanto, apesar dos claros benefícios clínicos e econômicos da RCV, o percentual de pacientes elegíveis que efetivamente participam desse tipo de serviço está muito aquém do desejado. Segundo dados internacionais, apenas em torno de 30% frequentam um programa de RCV e, no Brasil, estima-se que a situação seja ainda pior, estando certamente muito abaixo de 15%, 26,58,59 pois na maioria dos estados, inclusive na maior parte das capitais e grandes cidades brasileiras, não existe sequer um único serviço de RCV. Neste contexto, a utilização de modelos de RCVD tem crescido. Inicialmente, a preocupação quanto à segurança da prática do exercício físico fez com que a RCVD fosse destinada somente a pacientes de baixo risco. No entanto, com a demonstração de que não há inferioridade quanto à segurança e com benefícios clínicos semelhantes em relação à estratégia convencional, 60-62 além do avanço tecnológico de dispositivos que permitem o monitoramento à distância, tem sido ampliada a utilização deste tipo de serviço para o atendimento de pacientes com perfil de risco mais elevado. Estudos recentes mostramque a RCVD apresenta efetividade semelhante à tradicional, conforme demonstraramAdes et al., 60 que compararamos efeitos dos dois modelos empacientes com DAC de risco leve e moderado em intervenções realizadas por 3 meses, após evento coronariano agudo. Apesar de o grupo de pacientes que atendeu ao programa tradicional ter realizado um volume maior de exercícios físicos, não houve diferença quanto ao ganho em capacidade funcional ou em qualidade de vida entre os dois grupos. Jolly et al. 62 compararam os desfechos relacionados aos fatores de risco cardiovasculares entre os programas tradicional e domiciliar por umperíodomais longo, com seguimentos de 6, 12 e 24meses, e não observaram diferenças nos resultados. Recentemente, uma revisão sistemática de estudos com pacientes após IAM, CRVM ou IC, realizada por Anderson et al., 61 também não encontrou diferenças significativas entre as duas propostas em relação aos desfechos morte, eventos cardíacos, capacidade funcional, qualidade de vida e fatores de risco modificáveis, no curto prazo (3 a 12 meses) e no longo prazo (até 24 meses). Assim, programas de RCVD devem ser considerados como estratégia para facilitar o acesso, a adesão e a consequente disseminação da intervenção. Entretanto, existem apenas poucos estudos demonstrando que a RCVD apresenta um custo semelhante ao dos programas tradicionais, 61,63,64 havendo uma grande lacuna de pesquisas que possibilitem a comparação das suas propostas em termos de custo-efetividade. 65-67 Diante dos fatos, é insustentável que países de todos os níveis de renda e, mais preocupantemente os de média e baixa, continuem fornecendo massivamente e sem critérios de indicação mais rigorosos, intervenções terapêuticas de 952

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=