ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Posicionamento Posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia para Gravidez e Planejamento Familiar na Mulher Portadora de Cardiopatia – 2020 Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):849-942 apresentar disfunção ventricular. 345 As situações mais frequentes que devem ser consideradas no diagnóstico da IC no ciclo gravídico-puerperal estão apresentadas na Tabela 37. 346 A IC associada a CMPP foi discutida no tópico 3.3.7. O diagnóstico da IC durante a gestação é difícil porque as alterações fisiológicas adaptativas da gravidez acarretam sinais/sintomas, os quais, quando exacerbados, devem ser considerados. Sendo assim, a interface na interpretação dos sintomas fisiológicos da gravidez versus aqueles da IC, como apresentados na Tabela 38, exige a aplicação de conhecimentos específicos para que seja tomada a decisão mais apropriada, quando de uma eventual intervenção terapêutica. Da avaliação inicial ao seguimento clínico, o médico deve voltar sua atenção para os antecedentes pessoais e familiares de cardiopatia, a idade gestacional em que houve a progressão da CF I/II para III/IV e a identificação de fatores como arritmias cardíacas, anemia e infecções (Figura 11). A gravidez em mulheres com FEVE < 40% em CF III/IV (NYHA), fatores considerados preditores de mortalidade, geralmente é mal tolerada 347 e deve ser desaconselhada. Em casos em que a FEVE seja < 20%, a gravidez deve ser contraindicada, e a sua interrupção, quando em curso do primeiro trimestre, deve ser considerada. A rotina propedêutica para as gestantes com suspeita de IC deve incluir exames subsidiários básicos, a saber: laboratoriais (hemograma, eletrólitos séricos, função renal, glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada, perfil lipídico, função tireoidiana e função hepática); ECG de 12 derivações para identificação de arritmias, sobrecarga de câmaras cardíacas, distúrbios de condução; radiografia de tórax para detecção da congestão pulmonar; e ecodopplercardiograma transtorácico bidimensional com análise dos fluxos pelo método Doppler, que é o teste diagnóstico por imagem preferencial para avaliação inicial, não só por sua ampla disponibilidade, como também por prescindir do uso de radiação ionizante. O ECO identifica alterações estruturais cardíacas, incluindo anormalidade do miocárdio, das valvas e do pericárdio, além de avaliar aspectos hemodinâmicos. 345 Estudos têm confirmado a validade do BNP como marcador de IC também na gestação. 348 Os valores acima de 100 pg/ml contribuem para dar sustentabilidade clínica no diagnóstico de IC e facilitar a implementação de medidas terapêuticas apropriadas. A incorporação de níveis seriais de BNP na prática clínica pode ser útil, especificamente no julgamento de eventos cardíacos adversos durante a gravidez. A avaliação do prognóstico da IC durante a gravidez é semelhante à convencional; contudo, os exames invasivos ecotransesofágico, RMC, cintilografia de perfusão miocárdica, PETscan , angiotomografia de coronárias e teste cardiopulmonar devem ser postergados para após a gravidez. A prevenção da IC durante a gestação exige uma orientação multidisciplinar em conjunto com o obstetra e deve obedecer às seguintes recomendações: (1) visita médica quinzenal ou semanal; (2) controle do peso corporal; (3) insistência em evitar atividades que exijam grandes esforços; (4) restrição hídrica e salina moderada; (5) eventual afastamento das atividades profissionais que exijam grandes esforços; (6) manutenção dos fármacos não teratogênicos; e (7) hospitalização em pacientes que mantêm CF III (NYHA) com medicação otimizada. 349 A avaliação obstétrica concomitante ao atendimento cardiológico é importante no estabelecimento da idade gestacional. Assim, a condição da vitalidade e do crescimento fetais e a situação do fluxo placentário são fatores que apoiam a terapêutica e refletem a condição hemodinâmica materna. O tratamento farmacológico da IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr) difere daquele realizado na população de cardiopatas em geral quanto a classe de fármacos utilizada, dose diária e metas terapêuticas, 52 uma vez que os fármacos teratogênicos devem ser substituídos na pré-concepção. Os betabloqueadores, principalmente os beta-1- cardiosseletivos (metoprolol, bisoprolol e carvedilol), são considerados fármacos de primeira linha, porque determinam benefícios namortalidade por IC e naMCS, alémdemelhorarem os sintomas e reduzirem as taxas de re‑hospitalizações por IC. 345 Por tais razões, o uso desses betabloqueadores deve ser mantido durante a gestação em casos de ICFEr. A literatura carece de dados sobre a dose-alvo para o alcance das metas terapêuticas durante a gestação, que não devem ser as mesmas consideradas na população de cardiopatas em geral. Isso porque a frequência cardíaca reduzida e a queda da pressão arterial consequente a altas doses, que habitualmente são fatores usados na população de pacientes com IC, podem comprometer a circulação uteroplacentária. De modo geral, é prudente que as doses dos fármacos utilizados durante a gravidez sejam fracionadas, inicialmente baixas e aumentadas gradual e cautelosamente, buscando a maior dose tolerada pela mãe e pelo feto. Assim, recomenda‑se uma dose inicial do bisoprolol de 1,25 mg/dia, do carvedilol de 3,125 mg 2 vezes/dia e do succinato de metoprolol de 12,5 mg 2 vezes/dia, de acordo com as recomendações na população de pacientes com IC. 345 A vitalidade (perfil biofísico e cardiotocografia) e a maturidade fetal devem ser avaliadas com maior frequência quando comparadas às da população de gestantes saudáveis. No período neonatal, a supervisão deve ser durante 24 a 48 horas após o nascimento, considerando os sintomas e sinais mais frequentes, tais como depressão respiratória, bradicardia, hiperbilirrubinemia e hipoglicemia. Por esse motivo, quando próximo do parto, uma medida prudente é a redução progressiva do betabloqueador, buscando a mais baixa dose que tenha eficácia materna. 344 Tabela 37 – Insuficiência cardíaca durante a gravidez Causas obstétricas Pré-eclâmpsia Cardiomiopatia periparto Embolia amniótica Causas não obstétricas Cardiomiopatia Embolia pulmonar + disfunção de ventrículo direito Doença valvar obstrutiva (estenoses mitral e áortica) Próteses valvares (calcificação ou trombose) Cardiomiopatias por cardiotoxidade (uso de fármacos) Adaptada de: John Antony and Karen Sliwa. 346 912

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