ABC | Volume 114, Nº5, Maio 2020

Artigo Original Ribeiro Junior e Fernandes Efeito cumulativo da atividade física na Hipertensão Arterial Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):755-761 Discussão O acúmulo de AF nas dimensões da AFO, AFD e AFL pode resultar em melhorias da HA. Ser ativo em uma ou nenhuma das três dimensões da AF demonstroumaior associação positiva com o desfecho: 62% mais HA comparados àqueles ativos nas três dimensões. Esses achados contribuem coma literatura sobre o papel da AF insuficiente como fator de risco modificável para HA, e coloca em questão o papel isolado da AFL como estratégia para o controle desse agravo. No que diz respeito à cor ou raça, a forte miscigenação da população na Bahia pode estabelecer limites para investigar sua associação com a HA. Conforme descrito por outros autores, 20 a provável homogeneização dos grupos, pela forte miscigenação, deve ter um papel no resultado que revelou prevalências de HA praticamente iguais entre os grupos “pretos” e “não pretos”, nessa população. 21,22 Em consonância com essa hipótese explicativa, um estudo multicêntrico sobre HA que, além de servidores da Universidade Federal da Bahia, incluiu servidores de mais cinco instituições do Brasil, de diferentes estados da Federação, 23 encontrou forte associação dessa variável com a HA, cujas prevalências são maiores em pretos, seguidos dos pardos, sendo a menor prevalência observada entre os brancos. A associação da HA com idade e sexo foi bem consistente com a literatura. 11,23-26 Essa população é composta por 79% de homens jovens, com 32 anos de idade média. É visto que, nessa fase da vida, os homens apresentam mais HA quando comparados às mulheres. 1 Estudos que revelammaior prevalência entre mulheres são baseados em autorrelato ou populações em faixas etárias mais elevadas, nas quais o sexo feminino supera o masculino commaior prevalência. 27 Quanto aos estudos baseados em autorrelato, 1 a predominância de HA entre mulheres pode ser decorrente da maior busca de serviço por essas e, consequentemente, maior conhecimento do estado hipertensivo. No Brasil, em 2016, a prevalência de HA aumentou com a idade, sendo de 19,1% naqueles indivíduos entre 35 e 44 anos. 1 Comparando com os resultados do presente estudo, viu-se que, dentre indivíduos na faixa etária de 35 a 44 anos, a prevalência de HA é de 37%. Portanto, entre os aqui estudados, a HA foi mais alta do que a média nacional. Em comparação com Chor et al., 23 que estudaram servidores de universidades, os estratos por idade deste estudo com operários apresentaram prevalências mais altas. Operários com excesso de peso tiveram 2,3 vezes maior prevalência de HA quando comparados com aqueles sem excesso de peso. Esse resultado é consistente com outros estudos, demonstrando associação da HA commaior densidade corporal. 28,29 As demais variáveis que se associaram na etapa univariada reduzirammuito suas associações comHA na análise multivariada. A variável independente principal associou-se consistentemente com a HA na análise multivariada, constatando-se efeito cumulativo da baixa AF nas três dimensões sobre a prevalência da HA. Explorou-se a associação independente entre atividade física ocupacional (AFO) e HA por meio de análises que contemplaram AFO tanto com escala de duração quanto de intensidade domanuseio de carga. Os trabalhadores mais ativos nessa dimensão foram mais protegidos para HA, mesmo com ajustes para idade, sexo e excesso de peso. A motivação para essas análises com a AFO baseou-se na recente discussão da literatura acerca do “efeito paradoxal” da AFO sobre a pressão arterial. 30 Segundo pesquisadores, indivíduos submetidos à alta AFO apresentariam maior risco para níveis pressóricos elevados. 14,31 É possível que ocupações que se caracterizam por recrutamento de grandes grupos musculares, a exemplo da coleta de lixo, embora possam determinar fadiga física, não parecem representar associação com HA, como proposto no efeito paradoxal. No presente estudo, o trabalho ativo foi sempre protetor para esse agravo, particularmente, quando associado à AFD e AFL. Embora discuta-se a AFL como um dos principais tratamentos não farmacológicos contra a HA, 32-34 de acordo com o presente estudo, a AFL isolada pode não suprir a insuficiência de AF para o melhor controle da HA: ser ativo em apenas uma dimensão, e inativo nas duas demais dimensões, apresentou associação positiva com a HA. Poucas pesquisas exploram a AFD de forma isolada e resultados com essa dimensão parecem não mostrar associação com HA. Porém, quando combinada com a prática de AF nas outras dimensões, a AFD pode produzir efeitos benéficos no controle da HA. Embora no presente estudo tenha sido observado efeito cumulativo da baixa AF nas diferentes dimensões para a ocorrência da HA, não foi encontrada interação entre essas dimensões (nem no modelo aditivo). Fato semelhante foi observado em outro estudo, que também revelou efeito cumulativo das diferentes dimensões, mas não interação entre essas. 7 Análise de interação para explorar o comportamento sedentário e ou tempo de inatividade em frente à TV na determinação de doenças crônicas em adultos parece uma abordagem promissora. 35 Além do acúmulo de AF nas diversas dimensões ser um fator de proteção, o acúmulo durante os vários estágios da vida pode melhorar ainda mais os indicadores de saúde. 36 Neste estudo, a AF foi obtida pelo autorrelato, e não medida de forma direta, através de monitores cardíacos, acelerômetros, pedômetros ou frequencímetros. Apesar da tendência em se considerar que medidas diretas sejam mais válidas do que o autorrelato, essas têm sido questionadas enquanto padrão- ouro na Epidemiologia Ocupacional. Devido ao seu custo e exigências de calibração de instrumentos, medidas diretas são obtidas, em geral, durante pequenas amostras de tempo e, no caso da AFO, em uma pequena amostra da jornada de trabalho. Isto é particularmente relevante, limitando a validade das medidas diretas, em estudos com populações cujas atividades ocupacionais apresentem grande variabilidade durante a jornada de trabalho e, nesse caso, a amostra de tempo da jornada no qual se fazem as medidas diretas não é representativa do tempo total de trabalho. 37 No delineamento do estudo de corte transversal, o principal viés é o de prevalência e, portanto, não se pode descartar a causalidade reversa, ou seja, não se pode afirmar rigorosamente se a maior prevalência de HA dos menos ativos é decorrente do estilo de vida sedentário ou se eles já eram hipertensos antes de passarem a ter uma vida mais sedentária. Porém, 759

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