ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Correlação Anatomoclínica Favarato e Benvenuti Insuficiencia cardiaca após infarto do miocrdio e rotura de cordas tendineas Arq Bras Cardiol 2020; 114(4Supl.1):47-56 Nesse sentido, há relato de caso de paciente que procurou Serviço de Emergência por desconforto abdominal e dispneia intensa. O quadro foi precedido de dor precordial 24 horas antes. O paciente já tinha diagnóstico prévio de prolapso de valva mitral. Houve elevação de troponina e alterações inespecíficas da repolarização ventricular. O ecocardiograma revelou insuficiência mitral acentuada e rotura de corda tendínea e prolapso acentuado de metade da cúspide posterior. Diferentemente do caso atual, não havia alterações na coronariografia. Foram feitos os diagnósticos de edema agudo dos pulmões e insuficiência mitral acentuada, provavelmente aguda, por rotura de cordas tendíneas. 2 Assim, no caso atual, apesar da presença de lesões críticas em coronárias, o evento descrito como infarto agudo do miocárdio pode ter sido somente elevação de marcadores de lesão cardíaca na ausência de infarto. Embora o prolapso de valva mitral geralmente seja associado a baixo risco de complicações cardiovasculares, algumas publicações põem em dúvida esta crença. Avierinos et al., 3 em estudo populacional do Condado de Olmsted, Minnesota, encontraram como fatores de risco primários para mortalidade cardiovascular: insuficiência mitral moderada ou acentuada e disfunção ventricular esquerda, a primeira maior que a segunda. Insuficiência mitral leve, aumento atrial esquerdo, uma cúspide prolapsada, fibrilação atrial e idade acima de 50 anos foram considerados fatores secundários de risco. Nesse estudo, a morbidade cardiovascular foi de 30%, a mortalidade geral foi de 19% e a cardiovascular 9% em 10 anos de seguimento. 3 No estudo Framingham, 25% dos portadores de prolapso de valva mitral desenvolveram insuficiência mitral significativa ou necessitaram de cirurgia em um período de 3 a 16 anos. 4 Rotura de corda tendínea valvar é o fator mais comum de insuficiência mitral aguda, e suas causas mais frequentes são endocardite infecciosa, degeneração mixomatosa e prolapso de valva mitral, que, todavia, podem ocorrer na presença de valvopatia reumática, traumatismo torácico e doença aterosclerótica do coração. 3,5,6 No caso atual, as alterações tissulares do próprio prolapso podem ser as causadoras da rotura; entretanto, deve- se sempre afastar endocardite infecciosa nesse tipo de complicação. O diagnóstico de endocardite infecciosa baseia-se em aspectos clínicos, laboratoriais e de imagem por ecocardiograma. Os critérios de Duke são os recomendados. O diagnóstico é feito na presença de 2 critérios principais ou 1 principal e 3 secundários, ou ainda 5 critérios secundários. São considerados critérios principais: hemocultura positiva para endocardite (duas culturas em intervalo de 12h ou 3 culturas em duas coletas de 1h de diferença para micro-organismos comumente relacionados a endocardite – Streptoccus viridans, Streptoccus bovis , Staphylococcus aureus , ou grupo HACEK, ou uma cultura de Coxiella burnetii ). Além da hemocultura, são considerados critérios principais as evidências de acometimento endocárdico ao ecocardiograma (preferencialmente transesofágico): massa intracardíaca oscilante em valva ou suas estruturas de suporte; abscesso em anel valvar, regurgitação nova ou intensificada. Estão entre os critérios secundários: predisposição – valvopatia prévia uso de drogas injetáveis ou de cateteres venosos; elevação de marcadores de inflamação; esplenomegalia; hematúria; púrpura; febre acima de 38ºC; fenômenos vasculares (embolia arterial, infarto séptico pulmonar, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana ou conjuntival e lesões de Janeway); fenômenos imunológicos (glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth e elevação do fator reumatoide); hemocultura positiva por micro-organismos geralmente não associados a endocardite. 7 No caso atual não foram detectadas vegetações ao ecocardiograma, não havia febre e na hemocultura cresceu cepa de estafilococo não habitualmente associado a endocardite. Além disso, na análise histopatológica dos fragmentos valvares retirados durante a cirurgia não havia evidência de endocardite. Assim, o diagnóstico de endocardite infecciosa pode ser afastado. Esse paciente apresentou rabdomiólise com o uso de estatina ou por isquemia grave, pois, além da elevação da creatina quinase (CK), também havia elevação de enzimas hepáticas sugestivas de hepatite isquêmica. A apresentação da rabdomiólise foi clássica com as presenças de dores musculares, fraqueza, urina escura e acentuada elevação da creatina quinase (CK). Também sua complicação mais comum, a insuficiência renal aguda, esteve presente. A sinvastatina e a atorvastatina são metabolizadas pela CYP3A4 (a isoenzima mais comum da citocromo P 450 ), enquanto a rosuvastatina é metabolizada pela CYP2A9. Assim, as primeiras são mais susceptíveis a interações medicamentosas que aumentam as concentrações no plasma e a probabilidade de toxicidade. Sintomas musculares são queixas que variam de 1% a 10% dos pacientes em uso de estatinas, mas em menos de 1% há elevação da CK. 8 A hepatite isquêmica é caracterizada por insuficiência cardiopulmonar ou circulatória, associada ou não a hipotensão arterial, elevação maciça e reversível das enzimas hepáticas aminotransferases (AST e ALT) e exclusão de outras causas de lesão hepática grave, tais como intoxicação por acetaminofeno, hepatite viral ou outra hepatite tóxica. No caso atual, não se pode afastar lesão hepática por estatina, não houve aumento dos tempos de protrombina com iNR acima de 1,5 e a relação de tempos no TTPA foi normal, alterações presentes na hepatite isquêmica. 9 A fase final da doença dessa paciente foi decorrente de septicemia, que poderia ser decorrente da infecção por Clostridium difficile produtor de toxinas. Só as cepas produtoras da toxina B (TcdB) causam a infecção, mas algumas cepas produzem também a toxina A (TcdA). Elas atuam por inativação da via das Rho GTPases por glicosilação do resíduo de treonina, o que leva à despolimerização da actina e a morte celular e estimula a cascata de inflamação responsável por maior dano tissular, diarreia e colite pseudomembranosa. O uso de antibióticos pode levar ao desequilíbrio do microbioma intestinal, com diminuição dos Bacteroides e 52

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