ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Síndrome do Bloqueio de Ramo Esquerdo Doloroso em Paciente Encaminhada para Estudo Eletrofisiológico: Um Relato de Caso Painful Left Bundle Branch Block Syndrome in a Patient Referred to Electrophysiologic Study: A Case Report José Nunes de Alencar Neto, 1 Marcel Henrique Sakai, 1 Saulo Rodrigo Ramalho de Moraes, 1 Elano Sousa da Frota, 1 Claudio Cirenza, 1 A ngelo Amato Vincenzo de Paola 1 Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina, 1 São Paulo, SP - Brasil Introdução O desenvolvimento de dor precordial associada ao bloqueio de ramo esquerdo (BRE) intermitente na ausência de doença arterial coronariana tem sido descrito na literatura como síndrome do bloqueio de ramo esquerdo doloroso. O mecanismo responsável pela dor precordial é desconhecido, mas a principal hipótese atualmente está relacionada à dissincronia cardíaca aguda. Nessa síndrome, o BRE ocorre quando a duração do ciclo é igual ou inferior ao período refratário do ramo esquerdo, principalmente durante o esforço físico. A dor torácica na síndrome do BRE doloroso pode variar entre um leve desconforto a uma condição incapacitante. Esse relato descreve uma paciente com BRE frequência- dependente típico associado com dor torácica, encaminhada ao estudo eletrofisiológico (EEF) sem evidências de arritmias. Relato de caso Paciente do sexo feminino, 41 anos, com histórico de hipertensão controlada e dois anos de palpitações associadas com dor torácica desencadeada por esforço mínimo durante atividades cotidianas, que persistia por até 2 horas. A dor torácica foi descrita como uma sensação de pressão, que irradiava para o braço esquerdo, associada a náusea e dispneia. Os episódios foram caracterizados por início súbito, sem pródromos, com melhora espontânea. Inicialmente, a paciente foi tratada com atenolol 25 mg (duas vezes ao dia), com alívio parcial dos sintomas. Não havia histórico familiar de síncope inexplicada ou morte cardíaca súbita. O exame físico foi normal. O ECG de 12 derivações durante a crise revelou taquicardia de complexo alargado com bloqueio de ramo esquerdo completo (BRE), eixo inferior e onda P compatível com ritmo sinusal. Mesmo assim, a paciente foi referia ao EEF, que não mostrou substratos arritmogênicos. Entretanto, no início da estimulação atrial contínua a 600 ms, foi observado um BRE frequência dependente. Imediatamente após o BRE, a paciente, que não havia sido mantida sedada, começou a se queixar dos mesmos sintomas já descritos. O BRE persistiu por alguns minutos e desapareceu espontaneamente, concomitantemente com o alívio da dor. O ECG é apresentado na Figura 1. Trata-se de um BRE de 3º grau típico, com duração do complexo QRS de 138 ms, eixo superior e onda P sinusal. O ECG basal de 12 derivações estava normal (Figura 2). O monitoramento por Holter de 24 horas revelou que a FC basal variou entre 56 e 116 bpm durante as atividades cotidianas, sem evidência de BRE. Tanto a ecocardiografia transtorácica quanto a ressonância magnética cardíaca mostraram função sistólica normal sem doença miocárdica ou valvar. Todas as câmaras cardíacas estavam com tamanho normal. Um teste de esforço revelou o desenvolvimento de bloqueio de ramo esquerdo associado com a dor torácica. A angiotomografia descartou doença arterial coronariana e defeitos de perfusão do miocárdio com diripidamol. Atualmente, a paciente está recebendo atenolol 50 mg (duas vezes ao dia) e não houve recorrências de palpitações ou dor precordial no acompanhamento de seis meses. Discussão Em 1946, foi publicado o primeiro relato de bloqueio de ramo esquerdo intermitente relacionado a esforços. O paciente apresentava palpitações e sensação de dor no precórdio durante as crises. Entretanto, a angiocoronariografia não foi realizada devido à tecnologia disponível naquela época. 1 Em 1976, Vieweg et al., 2 relataram o primeiro caso de bloqueio de ramo esquerdo associado com angina de esforço, com evidências angiográficas de artérias coronárias normais. Embora tenha sido feito um diagnóstico de angina, foram observadas características atípicas: início e fim abruptos da dor, concomitantemente ao BRE e após o seu desaparecimento, respectivamente. 2 Em 1982, Virtanen et al., 3 conduziram um estudo com 7 pacientes portadores de bloqueio de ramo esquerdo recente e dor precordial durante o teste de esforço, todos com angiocoronariografias normais. Nesse estudo, foi avaliado o padrão da dor apresentada pelos pacientes. Em todos os casos, a dor foi considerada atípica por conta do início e fim abruptos. 3 Posteriormente, novos casos foram relatados, e a essa condição deu-se o nome de síndrome do bloqueio de ramo esquerdo doloroso. Os mecanismos da síndrome do BRE doloroso são pouco claros. A possibilidade de isquemia de demanda resultante de lesões ou espasmos coronários foi inicialmente considerada Correspondência: José Nunes de Alencar Neto • Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina - Rua Napoleão de Barros, 715. CEP 04023-062, São Paulo, SP – Brasil E-mail: josenunesalencar@gmail.com Artigo recebido em 30/08/2018, revisado em 03/05/2019, aceito em 18/08/2019 Palavras-chave Bloqueio Cardíaco; Dor no Peito; Doença Arterial Coronariana/fisiopatologia; Eletrofisiologia Cardíaca; Eletrocardiografia; Ecocardiografia. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190295 34

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