ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Silveira et al. Infarto agudo do miocárdio na policitemia vera Arq Bras Cardiol 2020; 114(4Supl.1):27-30 Figura 2 – A. Angiografia coronariana. Quadro mostrando a coronária direita com aneurisma, 8,0 mm de largura e 16,2 mm de comprimento; B. Angiografia coronária. Quadro mostrando o grau 3 de fluxo TIMI da artéria coronária descendente anterior esquerda; C. Ressonância magnética cardíaca. Quadro mostrando realce tardio de gadolínio no segmento apical inferior, padrão isquêmico. e a mutação JAK-2 confirmou nossa hipótese. Iniciou-se tratamento com hidroxiureia, o clopidogrel foi suspenso e a anticoagulação foi mantida até a alta (8 dias). O paciente evoluiu sem complicações durante sua internação hospitalar ou durante o acompanhamento precoce. Discussão Relatamos aqui um caso muito raro de primeira apresentação de PV como IAM. Até onde sabemos, menos de 10 casos semelhantes a esse foram relatados até o momento. 3 Geralmente, os pacientes são diagnosticados com PV e, posteriormente, apresentam alguma forma de síndrome coronariana aguda, em cerca de 11,4% dos casos. 4 Nosso paciente apresentava apenas hipertensão e idade como fatores de risco, e não apresentava alterações significativas no perfil lipídico, nível de glicemia de jejum, função renal ou histórico familiar que poderiam ter aumentado o risco de desenvolver IAM. No caso desse paciente, havia duas condições que poderiam ter contribuído para o infarto do miocárdio: o aneurisma coronariano e a própria PV, os quais podem contribuir para a formação de trombo e IAM. Os mecanismos pelos quais a PV levaria a eventos vasculares ainda não estão bem estabelecidos. No entanto, algumas hipóteses foram apresentadas na literatura, como superprodução de tromboxano A2, disfunção endotelial e ativação plaquetária e de leucócitos. 16 A elevação da contagem de leucócitos ocorre em 50 a 60% dos pacientes com PV, o que também pode ter um efeito prejudicial à microcirculação na PV. Os leucócitos ativados podem liberar proteases e radicais de oxigênio que alteram as células endoteliais e as plaquetas, a fim de favorecer o desenvolvimento de um estado protrombótico. Na PV, a quantidade de agregados plaquetas-leucócitos aumenta, estando associados ao aumento da propensão à trombose. Além disso, o estado protrombótico na PV tem sido atribuído a uma resistência adquirida ao anticoagulante natural — proteína C— que está associada a níveis reduzidos de proteína S². De acordo com essa afirmação, nosso paciente teve um aumento não apenas na contagem de plaquetas, mas também na contagem de leucócitos, principalmente neutrófilos, sem sinais de infecção, embora isso também possa corresponder ao processo inflamatório do IAM. Outro achado interessante na literatura é que eventos trombóticos podem ocorrer mesmo quando os níveis de hematócritos e plaquetas são aceitáveis, 17 indicando que o médico deve estar atento a esse diagnóstico diferencial, mesmo em doenças controladas. Em conclusão, este é um caso raro de primeira manifestação de PV como IAM, curiosamente com a falta de obstrução na angiografia, indicando uma possível resolução do trombo após a terapia antiplaquetária. Nesses casos, o desafio continua sendo a terapia em pacientes com obstrução sustentada, uma vez que a colocação do stent pode significar um risco maior de oclusão subsequente devido à suscetibilidade do paciente a formar trombos plaquetários. 29

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