ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Infarto Agudo do Miocárdio como Primeira Manifestação da Policitemia Vera Acute Myocardial Infarction as First Onset of Polycythemia Vera Caroline Ferreira da Silva Mazeto Pupo da Silveira, 1 Lívia Beatriz Santos Limonta Vitali, 1 Fabiana Garcia Faustino, 1 Alejandra Del Carmen Villanueva Maurício, 1 Renato Teixeira, 1 Silméia Garcia Zanati Bazan 1 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP), 1 Botucatu, SP - Brasil Introdução A policitemia vera (PV) é uma neoplasia mieloproliferativa clonal progressiva crônica caracterizada por um aumento absoluto nos eritrócitos e, geralmente, leucocitose, trombocitose e esplenomegalia. Sua incidência está em torno de 2,8/100.000 pessoas por ano. 1 O diagnóstico é feito utilizando os critérios definidos pelas diretrizes revisadas da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2016.² Os principais critérios são níveis de hemoglobina acima de 16,5 e 16,0 g/dL ou hematócritos acima de 49 e 48% em homens e mulheres, respectivamente, ou aumento da massa de glóbulos vermelhos em mais de 25% acima do valor médio normal previsto; biópsia da medula óssea apresentando hipercelularidade para a idade com crescimento de trilinhagem; presença de mutação no éxon 12 do gene JAK2V617F ou JAK2. Um critério menor é o nível sérico reduzido de eritropoietina. O diagnóstico requer que se atenda aos três critérios principais ou aos dois critérios principais e ao critério menor. O paciente também é considerado em risco de trombose; aqueles com mais de 60 anos ou com histórico de trombose são considerados de alto risco; se ambos os fatores de risco estiverem ausentes, é considerado baixo risco. O tratamento inclui medicamentos citorredutores, como hidroxiureia, antiagregantes plaquetários e sangrias terapêuticas. A trombose representa importante causa de morbidade e mortalidade em pacientes com PV. Esses eventos trombóticos são mais frequentemente microcirculatórios e arteriais.² O infarto agudo do miocárdio (IAM) nas doenças mieloproliferativas é atribuído principalmente à trombose coronariana devido à hiperviscosidade e trombocitose. O risco aumenta na presença de fatores de risco cardiovascular. 3 Os eventos coronarianos são comuns durante o acompanhamento da PV, com uma taxa de 11,4% no seguimento de 10 anos, conforme consta na literatura. 4,5 Além disso, em estudos recentes, os eventos trombóticos arteriais foram mais comuns que os trombóticos venosos quando diagnosticados pouco antes do diagnóstico de PV. Entretanto, a primeira apresentação da PV como IAM é considerada rara, commenos de 10 casos na literatura. 3,6-15 Relato de caso Paciente do sexo masculino, 68 anos de idade, branco, em tratamento regular para hipertensão, sem histórico de eventos trombóticos. Deu entrada no serviço de emergência com mal-estar inespecífico, sem dor precordial ou dispneia, dormência na porção proximal de ambos os braços. Foi internado hemodinamicamente estável com boa saturação de oxigênio. No exame físico, apresentava face pletórica e macicez à percussão no espaço de Traube. Devido à probabilidade de apresentação atípica de síndrome coronariana aguda, inicialmente, o paciente foi investigado com eletrocardiograma (ECG) e marcadores de necrose miocárdica (MNM), hemograma completo e função renal. ECG em repouso (Figura 1a) mostrou onda Q patológica e inversão da onda T em DII, DIII e aVF, posteriormente evoluindo (Figura 1b) com elevação do segmento ST em DII, DIII e aVF, enquanto as demais características forammantidas. Os MNM foram positivos (CK-MB de 34 a 36 ng/mL; referência <16 ng/dL e troponina de 0,12 a 0,81 e, depois, 1,07 ng/mL; referência <0,01 ng/mL). A embolia pulmonar foi descartada devido ao dímero D negativo. Outras análises laboratoriais mostraram função renal normal e hemoglobina 21,3 g/dL, hematócrito 65,4%, plaquetas 805.000/mm 3 (referência: 140,000 - 440,000/mm 3 ), caracterizando hiperviscosidade, macroplaquetas e leucócitos 15.400/mm 3 (referência: 4,000–11,000/mm 3 ) e, principalmente, neutrófilos. Também não mostrou alterações lipídicas ou de glicose. O paciente foi diagnosticado com IAM causado por PV e, ao contrário do que é mais encontrado na literatura, o diagnóstico de IAM ocorreu antes da descoberta da PV. Ele foi classificado como em alto risco de trombose devido à idade, tendo sido iniciada terapia antiplaquetária dupla com AAS (dose de ataque de 300 mg mais 100 mg/dia) e clopidogrel (dose de ataque de 300 mg mais 75 mg/dia), além de enoxaparina 1 mg/kg duas vezes ao dia. Como observado na Figura 1, a elevação do segmento ST foi inferior a 1 mm. Além disso, os sintomas não pioraram com a alteração do ECG; portanto, a equipe optou por ponderar a relação benefício-risco em relação a submeter à angiografia um possível IAM com supradesnivelamento do segmento ST ou mesmo um IAM com supradesnivelamento do segmento ST com um nível elevado de hematócritos. O paciente foi então submetido a Correspondência: Silméia Garcia Zanati Bazan • Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Cardiologia - Distrito Rubião Jr, s/n. CEP 18618-687, Botucatu, SP – Brasil E-mail: sgzanati@fmb.unesp.br Artigo recebido em 24/02/2019, revisado em 23/07/2019, aceito em 18/08/2019 Palavras-chave Infarto do Miocárdio; Policitemia Vera; Trombocitose; Fatores de Risco; Transtornos Mieloproliferativos. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190104 27

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