ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Ballavenuto et al. Glicogenose Tipo I: Relato de dois casos Arq Bras Cardiol 2020; 114(4Supl.1):23-26 em ambas as pacientes. A eletroforese de lipoproteínas, para investigação do fenótipo de dislipidemia, mostrou acúmulo de pré-betalipoproteínas, correspondente à fração VLDL (lipoproteína de muito baixa densidade), fenótipo tipo IV de Fredricksson (Tabela 2). Discussão A G6P Ia está associada a hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia graves, chegando a atingir concentrações plasmáticas de triglicérides até 4.000-6.000mg/dL e de colesterol 400-600 mg/dL. 6 A hiperlipidemia tem relação com o aumento dos produtos glicolítcos elementares para a síntese do colesterol, como o NADP, NADH, fosfato, glicerol- 3-fosfato e coenzima A. 2 Geralmente, as concentrações de VLDL e de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) estão aumentadas, enquanto que as de lipoproteínas de alta densidade (HDL) e as de apolipoproteínas AI, AII estão diminuídas; ainda, as concentrações de apolipoproteínas CIII, B e E encontram-se elevadas. As partículas de VLDL e LDL não são apenas aumentadas em número, como é evidente a partir de níveis aumentados de apolipoproteína B, mas também de tamanho, devido ao acúmulo de triglicérides nessas frações. 6-8 Bernier et al.,9 demonstraram que as prevalências gerais de hipercolesterolemia (31%) e hipertrigliceridemia (67%) são maiores no subtipo Ia que no III. No adulto, as anormalidades bioquímicas tendem a se atenuar, ao contrário da hiperlipidemia, que se mantém na G6P Ia, embora não tenha sido observado maior risco de aterosclerose. 9 Nos casos relatados, as concentrações de triglicérides eram consideravelmente aumentadas desde a infância, com colesterolemia também elevada, porém emmenor proporção, evoluindo assim até a adolescência. Pode-se questionar se, com o passar da idade, a hipoglicemia tenderia a melhorar como consequência da diminuição da taxa metabólica do organismo e da influência dos hormônios sexuais femininos, além da readaptação da dieta. A eletroforese de lipoproteínas, realizada em nossas pacientes, mostrou aumento da fração pré-beta em ambas. Contudo, na paciente mais jovem, que apresentava perfil lipídico mais alterado, devido à hipertrigliceridemia mais agressiva, detectou-se, também, redução da fração alfa na eletroforese. O Estudo Europeu sobre a Doença do Armazenamento do Glicogênio Tipo I ( ESGSD I ) recomenda seguimento e investigação laboratoriais de rotina (incluindo perfis lipídicos), de acordo com a idade: 0-3 anos a cada 2 meses; 3-20 anos, a cada 3 meses; adultos, a cada 6 meses, bem como monitoramento de doenças cardiovasculares.7 Nesse contexto, a concentração de triglicerídeos é considerada o parâmetro mais útil para o controle metabólico crônico, devido à considerável melhora com a idade na ocorrência de hipoglicemia, nos níveis de lactato sérico e ácido úrico. 10 Na investigação da doença aterosclerótica subclínica, já que nenhuma das pacientes demonstrou aterosclerose manifesta, realizou-se doppler de carótidas, que não apresentou alterações. No entanto, pacientes saudáveis e de mesma idade, mostraram menor espessura intimal comparadas a portadores de G6Pase. 11 Ainda com relação à coorte de Bernie et al., 9 foi comparada a espessura das camadas íntima e média das artérias carótidas (EIMC) ou intima-media thickness ( IMT ) e o índice de aumento médio medido pela tonometria da artéria radial, em 28 pacientes com G6P versus 23 no grupo controle. Foi demostrado valor maior de EIMC no grupo G6P em comparação com o grupo controle, p < 0,02 ajustado para a idade, sexo e IMC (índice de massa corporal), além do índice de aumento médio medido pela tonometria da artéria radial, encontrado também maior valor no grupo G6P (16,4% +-14,0%) do que no grupo controle (2,4% +-8,7%) (p <0,001). 8 Tais dados sugerem que a G6P-Ia pode estar associada a maiores disfunções arteriais e aumento do risco cardiovascular. Por outro lado, haveria uma possível proteção cardiovascular, com diminuição da adesão plaquetária e, consequentemente, um tempo de sangramento prolongado, proporcionando menor risco de aterotrombose. A detoxicação dos radicais livres parece ser o principal fator de proteção para a integridade da membrana celular, por gerar aumento na produção de NADPH2 e ativação do sistema de detoxicação de radicais livres. 1 Desde a infância, nossas pacientes apresentavam elevada trigliceridemia, que corresponderia a defeito poligênico, com maior síntese de VLDL, acompanhada ou não de incapacidade de sua metabolização pela lipase lipoproteica. 8 Posteriormente, na faixa etária dos 10 aos 14 anos, ambas apresentaram elevações proporcionais de colesterolemia e trigliceridemia, habitualmente superiores a 300 mg/dL. Esse perfil lipídico, semelhante ao fenótipo tipo III de Fredrickson, seria ocasionado por alterações na apolipoproteína E e/ou incapacidade de metabolização da IDL (lipoproteína de densidade intermediária). 4 Tabela 2 – Eletroforese de lipoproteínas das pacientes Dosagem Resultados (%) Referência (%) Paciente 2 Paciente 2 Alfa lipoproteina 28,6 17,8 23-46 Pré-beta lipoproteina 36 36,8 3-18 Beta lipoproteína 35,4 45,4 42-63 Lipoproteína a - Lp(a) 0 0 25

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