ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Ballavenuto et al. Glicogenose Tipo I: Relato de dois casos Arq Bras Cardiol 2020; 114(4Supl.1):23-26 Caso 1: Paciente MCS, 24 anos. No primeiro ano de vida, em 1994, foi internada devido a quadro de febre, vômitos, glicosúria, taquipneia, acidose metabólica e hipoglicemia. Naquele momento, foi iniciada investigação do caso, sendo evidenciados altos níveis sanguíneos de colesterol total e triglicérides, além de hiperuricemia e acidose metabólica. Aventada a hipótese de glicogenose hepática tipo I, posteriormente confirmada mediante biópsia hepática e quadro clínico. Foram descartadas outras patologias relacionadas a erros inatos do metabolismo. Exames laboratoriais evidenciaram, naquele momento, hemoglobina glicada de 4,2% e glicemia 65mg/dL. Iniciado o tratamento dietético, com reposição de carboidratos (maisena) desde a infância, apresentando melhora da hipoglicemia. Notava-se elevação de transaminases e, por volta dos 3 anos de idade, apresentou elevações dos níveis de ácido úrico, que evoluíram em queda progressiva com o passar dos anos, até sua normalização na vida adulta. Ao longo da vida, desenvolveu recorrentes episódios de hipoglicemias e infecções, com internação em unidade de terapia intensiva, aos 4 anos, por laringite e broncopneumonia. Sofreu fratura de fêmur aos 9 anos, provavelmente por baixa densidade óssea, quando após realização de nova biópsia hepática, evidenciou-se sinais de fibrose septal. Recebeu o diagnóstico de tireoidite de Hashimoto aos 14 anos (anticorpo anti- tireoperoxidase positivo), com cintilografia de tireoide evidenciando bócio difuso. Mais tarde, aos 18 anos, foram diagnosticados adenomas hepáticos em exames de controle e, aos 22, foi necessária a realização de hepatectomia lateral em segmento II, por adenoma de 4,5cm. Com relação ao desenvolvimento pondero-estatural, a paciente apresentou- se eutrófica, no entanto, apresentando baixa estatura até a vida adulta. Atualmente, apresenta Índice de Massa Corporal (IMC) dentro da faixa de normalidade. Durante a infância e adolescência, apresentou altas concentrações de colesterolemia e trigliceridemia, com pouca melhora após início do tratamento dietético (Tabela 1). A terapêutica farmacológica para dislipidemia foi introduzida aos 20 anos. Apesar da regular adesão ao tratamento, os valores de colesterol total e, principalmente, de triglicérides, mantinham- se constantemente elevados. Desse modo, optou-se por terapêutica com estatina de alta potência e ciprofibrato, com boa tolerância pela paciente, sem desenvolvimento de efeitos colaterais, apresentando melhora parcial dos valores anteriormente encontrados. Durante toda a evolução clínica, não foram observadas alterações renais. Caso 2: Paciente GCS, 20 anos, irmã diagnosticada com glicogenose tipo Ia, no primeiro ano de vida. Apresentou hepatomegalia (3cm abaixo do rebordo costal direito) ao nascimento, em 1998. Diante do quadro clinico e dos antecedentes familiares, iniciou-se a investigação de glicogenose. Desde o nascimento, além de hepatomegalia, apresentava alterações nas concentrações de colesterol total e triglicérides, hemoglobina glicada, ácido úrico, lactato e transaminases, fato que fortalecia a suspeita de glicogenose. Realizou a primeira biópsia aos 6 meses de idade, ainda com resultado inconclusivo, entretanto, com sinais de esteatose hepática e discreta fibrose. O diagnóstico foi praticamente confirmado aos 3 anos com nova biópsia resultando em hepatopatia crônica em cirrotização, por provável doença do acúmulo de glicogênio. Aos 4 anos, o teste enzimático foi compatível com o diagnóstico de glicogenose tipo I. Outros exames foram realizados, mas apresentaram-se negativos. A paciente manteve níveis alterados de colesterolemia e de trigliceridemia durante toda a infância e adolescência, quando em maio de 2015, aos 17 anos, iniciou estatina de alta potência em associação a ciprofibrato, 100mg/ dia. Apesar das medicações, apresentava hiperlipidemia grave, com altas concentrações plasmáticas de triglicérides e colesterol total (Tabela 1). Assim como ocorreu com a paciente do caso 1, as medicações foram bem toleradas e não foram observados efeitos colaterais. Também não houve manifestações de lesão renal. A paciente manteve-se eutrófica com baixa estatura durante seu desenvolvimento, com IMC normal nos dias de hoje. Para a investigação de doença aterosclerótica subclínica, foi realizada ultrassonografia doppler de carótidas, sem alterações Tabela 1 – Dados comparativos dos casos – resultados laboratoriais ao longo dos anos CT LDL-c HDL-c TG AU Gli TGO TGP Paciente 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1996 246 * - * 48 * 711 * - x 65 x 168 x 136 x 1999 269 117 - - - - 778 362 9,0 - - - 77 100 62 70 2002 260 293 - - 31 59 581 1059 8,5 8,3 - - 92 121 101 133 2005 260 264 - 86 39 43 766 713 3,5 6,8 79 95 166 205 130 240 2008 314 326 - 220 53 39 497 335 - 4,6 - - 43 251 39 252 2011 274 423 - - 53 53 537 1132 4,9 7,4 60 78 48 96 23 109 2014 ** 321 304 195 - 55 52 397 701 - - 92 96 - 61 122 76 2017 ** 282 282 165 164 56 48 303 352 - - 91 - 49 - 29 - * Paciente do caso 2 não era nascida. ** Introdução de rosuvastatina 40mg e ciprofibrato 100mg/dia. CT: colesterol total; TG: triglicérides; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteía de alta densidade; AU: ácido úrico; Gli: glicemia; HBA1C: glicohemoglobina; TGO: transaminase gutâmico-oxalacetica; TGP: transaminase glutâmico-pirúvica. 24

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