ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Athayde et al. Insuficiência cardíaca e arbovirose Arq Bras Cardiol 2020; 114(4Supl.1):19-22 Discussão De acordo com a Diretriz Brasileira de IC Crônica e Aguda, 3 a sistematização de cuidados para a alta hospitalar em pacientes com IC descompensada inclui a resolução dos fatores precipitantes. Infecções, principalmente as pneumonias bacterianas, representam importantes causas de descompensação da IC. 1 Neste sentido, tem-se recomendado a vacinação contra pneumococo e vírus influenzae em pacientes com IC. Esta recomendação segue uma orientação dos EUA e países europeus, com clima mais temperado, onde a infecções graves por vírus influenzae são comuns. 3 Apesar destas infecções serem comuns no Brasil também, devemos ressaltar a proporção epidêmica que as arboviroses alcançaram em diferentes estados brasileiros. 7 A febre chikungunya é uma arbovirose transmitida por um alfavírus (CHIKV), e tem como vetores os mosquitos do gênero Aedes, sendo o Ae. aegypti o principal. 10 Foi documentada primeiramente na Tanzânia em 1952, e no Brasil o primeiro caso de transmissão autóctone foi registrado em 2014. 10 O nome chikungunya significa “andar curvado”, fazendo referência à marcante artralgia da doença, intensa e por vezes incapacitante, que pode durar de meses a anos. 10 Apesar da recente epidemia de febre chikungunya no Brasil e da grande prevalência de IC, não encontramos publicações citando esta virose como causa da agudização de IC crônica. Uma meta-análise recém-publicada 6 sugere que o sistema cardiovascular seja acometido em 54,2% dos casos de febre chikungunya, entretanto, devemos enfatizar que esta estatística baseou-se em relatos onde não houve padronização da definição deste acometimento, incluindo hipotensão, choque, arritmias, aumento de troponina e até miocardite aguda. 6-8 Com base nestes achados, os autores sugerem tropismo miocárdico pelo CHIKV, que, assim como o vírus da dengue, o parvovírus, o herpes vírus e o enterovírus, pode causar dano direto às células miocárdicas. 6 Paralelamente, as alterações hemodinâmicas características das infecções sistêmicas (como vasodilatação e taquicardia) podem ser suficientes para a descompensação clínica de pacientes com IC, gerando hipotensão e extravasamento de fluidos para o espaço extra-vascular. De fato, quando estes pacientes são infectados pelo CHIKV, pode haver descompensação clínica mesmo na ausência de miocardite. Os sintomas da febre chikungunya geralmente surgem após um período de incubação de 1 a 12 dias. 11 A positividade para anticorpos IgM e IgG revela infecção recente ou atual, uma vez que os anticorpos IgM podem permanecer positivos por até 3 meses após a picada. O paciente descrito teve evolução clínica atípica, uma vez que a descompensação hemodinâmica ocorreu antes da artralgia característica da febre. Ainda assim, a ausência de outros fatores precipitantes, as sorologias positivas e a evolução temporal do quadro (Figura 1) corroboram a hipótese de descompensação clínica por febre chikungunya no presente caso. Infelizmente, não foi possível realizar ressonância nuclear magnética cardíaca, pois a mesma não está disponível em nosso hospital. Ressaltamos que este exame, apesar de útil no diagnóstico de miocardite, não seria capaz de confirmar a hipótese de descompensação clínica por febre chikungunya. Além do diagnóstico difícil, o presente caso caracterizou-se pelo desafio no manejo clínico. Como em outras arboviroses, o tratamento de pacientes com febre chikungunya tem sua base no controle álgico adequado, normalmente obtido com uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) que não atuem como anti-agregantes plaquetários (como o ácido acetil salicílico). Entretanto, a disfunção miocárdica contra-indicou o uso de a AINEs 3 e por isso tivemos que optar por analgesia com opioides como o tramadol. Além disso, a plaquetopenia e o sangramento ativo (hematúria) impediram a continuidade da anticoagulação profilática no paciente, a despeito da indicação por fibrilação atrial crônica, aumentando o risco de evento tromboembólicos secundários à arritmia. Conclusão Infecções virais, principalmente aquelas mais prevalentes em nosso meio, como a febre chikungunya, devem ser consideradas como fator de descompensação da IC em pacientes previamente estáveis sem outros fatores precipitantes claramente identificados. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa e análise e interpretação dos dados: Athayde C, Castro RRT; Obtenção de dados e redação do manuscrito: Athayde C, Nishijuka FA, Queiroz MC, Luna M, Figueiredo J, Albuquerque N, Castilho SC, Castro RRT; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Castro RRT. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Este artigo é parte de trabalho de conclusão de residência médica em Cardiologia de Carolina Cunto de Athayde pelo Hospital Naval Marcilio Dias. Aprovação ética e consentimento informado Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Naval Marcilio Dias sob o número de protocolo 02181318.1.0000.5256. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo. 21

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