ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Descompensação de Insuficiência Cardíaca por Arbovirose Acute Decompensated Heart Failure due to Chikungunya Fever Carolina Cunto de Athayde, 1 F abio Akio Nishijuka , 1 M árcia Cavalcanti de Campos Queiroz, 1 Monica Medeiros Luna, 1 Jaime Lobo Figueiredo, 1 Nadia Matias de Albuquerque, 1 Sebastião Carlos Ribeiro de Castilho, 1 Renata R. T. Castro 1, 2 Hospital Naval Marcilio Dias – Cardiologia, 1 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Brigham and Womens Hospital – Medicine, 2 Boston – EUA Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é uma condição crônica com prevalência elevada e crescente no mundo. 1-3 A identificação da causa de descompensação da IC é extremamente importante para a correta condução dos casos, uma vez que poderá permitir o tratamento específico e prevenir novas internações. No Brasil, as principais causas de descompensação de IC são má aderência ao tratamento medicamentoso (30%) e infecções (23%), 1 principalmente as bacterianas pulmonares. 4 Por isso, pacientes com IC devem receber a vacina anti-pneumococo. Apesar demenos frequente, a descompensação pode dar-se por infecções virais, fato que justifica a vacinação contra influenza nestes pacientes. 3 Nos últimos anos diversas cidades brasileiras foram acometidas por epidemias de arboviroses antes consideradas raras como as causadas pelo vírus da Zika e da febre chikungunya. 5 Tais epidemias chamaram atenção da comunidade científica não só pelo número de pacientes atingidos, mas principalmente pelas frequentes sequelas, como microcefalia em filhos de gestantes acometidas pelo vírus da Zika e pelas artralgias incapacitantes e crônicas secundárias à febre de chikungunya. Apesar de existirem relatos de miocardite causada por arboviroses, 6-8 pouco se sabe a respeito dos riscos e complicações quando estas acometem pacientes que já têm diagnóstico de IC. A elevada prevalência de IC e a alta incidência de arboviroses no Brasil justificam o relato de caso a seguir. Relato do Caso Paciente masculino de 71 anos, aposentado, procurou serviço de emergência com queixa de dispneia aos pequenos esforços com piora progressiva nos últimos dois dias evoluindo para dispneia em repouso e dispneia paroxística noturna após episódio de febre não aferida na véspera. Negou tosse, dor torácica, tonteira e síncope. O paciente tinha diagnósticos de miocardiopatia dilatada de etiologia hipertensiva/alcoólica, insuficiência renal crônica não-dialítica, fibrilação atrial permanente, hiperuricemia, doença pulmonar obstrutiva crônica e colelitíase. Era etilista e ex-tabagista (47 maços/ano, estando abstêmio há 6 anos). Fazia uso regular de carvedilol (12,5 mg pela manhã e 25 mg à noite), hidralazina (25 mg, 3 vezes ao dia), anlodipino (5 mg ao dia), furosemida (40 mg, 4 vezes ao dia), digoxina (0,125 mg ao dia), apixabana (2,5 mg, 2 vezes ao dia), bamifilina (300 mg ao dia) e formoterol/ budesonida (12 mcg + 400 mcg, 2 vezes ao dia). Ao exame admissional, o paciente apresentava pressão arterial de 110 x 84 mmHg, frequência cardíaca de 86 bpm, frequência respiratória de 26 irpm e turgência jugular patológica a 30°. A ausculta pulmonar revelava murmúrios vesiculares universalmente audíveis, sem ruídos adventícios, e à ausculta cardíaca havia ritmo irregular, com bulhas normofonéticas, sem bulhas acessórias. Havia edema de membros inferiores (2+/4+) e não havia ascite ao exame físico. Não havia evidência clínica de angina, novas arritmias ou infecção (Tabela 1). O paciente e sua esposa negavam má-adesão ao tratamento medicamentoso, libação alcoólica ou ingestão excessiva de sal ou líquidos. Portanto, não foi possível identificar fatores precipitantes para o quadro de IC descompensada. O eletrocardiograma de admissão do paciente mostrou ritmo de fibrilação atrial e bloqueio de ramo esquerdo. Não havia alteração eletrocardiográfica sugestiva de isquemia miocárdica. A radiografia de tórax mostrou aumento do índice cardiotorácico, com discreta congestão pulmonar e ausência de derrame pleural ou consolidação pulmonar. Visando rastreamento infeccioso foi realizado exame de sedimento urinário, com resultado normal. O paciente foi admitido, classificado com perfil hemodinâmico B 9 e submetido ao tratamento com diuréticos intravenosos (Figura 1). No terceiro dia de internação, o paciente evoluiu com piora da função renal, com clearance de creatinina (Cockroft- Gault) de 19 ml/min (creatinina 3,0 mg/dL) e hipercalemia (6,1 mEq/l). Devido a tal complicação, foi suspensa a digoxina. Após cinco dias, o paciente alcançou perfil hemodinâmico A, e optou-se por alterar a via de administração da furosemida de venosa para oral. Neste mesmo dia o paciente apresentou hematúria macroscópica, sendo suspensa a anticoagulação. No sétimo dia de internação o paciente queixou-se de artralgia leve, em joelhos e tornozelos, que associou à sua posição no leito. A despeito do uso de dipirona, no dia seguinte houve piora dos sintomas, com artralgia bilateral, de forte intensidade em joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos, restringindo a movimentação no leito. O paciente não apresentou, dispneia Correspondência: Carolina Athayde • Hospital Naval Marcilio Dias – Cardiologia - Rua Cesar Zama, 185. CEP 20725-090, Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: carol.athayde@me.com Artigo recebido em 31/10/2018, revisado em 26/01/2019, aceito em 10/03/2019 Palavras-chave Insuficiência Cardíaca/fisiopatologia; Recusa do Paciente ao Tratamento; Vacina Pneumocócica; Infecções por Arbovirus; Infecção por vírus Zika; Febre de Chikungunya. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20180316 19

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