ABC | Volume 114, Nº4, Suplemento, Abril 2020

Relato de Caso Adar et al. Dabigatrana e derrame pleuropericárdico maciço Arq Bras Cardiol 2020; 114(4Supl.1):13-15 pericardiocentese urgentemente. A fim de reduzir o risco de hemorragia, administrou-se idarucizumabe (total de 5 gramas divididos em duas infusões consecutivas de 2,5 gramas) antes da pericardiocentese. Duas horas após a administração de idarucizumabe, o valor do APTT caiu para 44 segundos. A pericardiocentese foi realizada com orientação ecocardiográfica. Aproximadamente 3 L de líquido pericárdico não coagulado vermelho-sangue foram drenados (Figura 2). A análise do líquido pericárdico mostrou-se negativa para coloração de gram, citologia, PCR e microrganismos ( Mycobacterium tuberculosis ). Não houve derrame pericárdico na outra ecocardiografia realizada no dia seguinte após a pericardiocentese (Figura 1C). De acordo com os critérios de Light modificados, o derrame pericárdico apresentava características exsudativas. A toracocentese foi então realizada e 2 L de líquido pleural foram drenados. Os testes bioquímicos mostraram-se novamente consistentes com o líquido exsudativo. Os marcadores inflamatórios, reumatológicos, infecciosos e de rastreamento do câncer foram todos negativos. As funções renais melhoraram após reposição hídrica, pericardiocentese e descontinuação do tratamento com indometacina. Sua condição geral melhorou significativamente e nenhuma outra complicação foi observada. No 8º dia de internação, recebeu alta com enoxaparina subcutânea. Discussão Este é o primeiro caso relatado de derrame pleuropericárdico maciço associado ao uso concomitante de dabigatrana e indometacina. Pelos motivos enumerados a seguir, pensamos que a toxicidade da dabigatrana teria sido a causa mais plausível de derrame pleuropericárdico no presente caso. (1) Presença de derrame pleuropericárdico hemorrágico, (2) desenvolvimento de derrames após desenvolvimento de insuficiência renal aguda, (3) altos níveis de APTT (91,4 segundos) e RNI (2,5) na internação 2 e, finalmente, (4) ausência de outros motivos para explicar o derrame pleuropericárdico hemorrágico. A dabigatrana é um metabólito ativo derivado da hidrólise do etexilato de dabigatrana. Inibe a trombina livre e ligada ao coágulo. A meia-vida da dabigatrana é de 12 a 14 horas, sendo excretada, em grande parte, pelos rins. 3 As diretrizes atuais recomendam o acompanhamento regular da função renal nesses pacientes. 4 No presente caso, o paciente apresentou insuficiência renal aguda após o início do tratamento com indometacina, um agente nefrotóxico, durante o tratamento com dabigatrana. Foram encontrados 12 casos de hemopericárdio associado à toxicidade da dabigatrana, 1,5-9 A indicação para a dabigatrana foi a prevenção de acidente vascular cerebral na fibrilação atrial em todos os casos relatados. Em concordância com os nossos achados, 7 (58%) ADDIN EN.CITE 5,7,10-13 desses casos apresentaram insuficiência renal aguda na internação e 4 (33%) ADDINEN.CITE 5,7-9 apresentaram hemopericárdio dois meses após o início da dabigatrana. A absorção de etexilato de dabigatrana é mediada pela glicoproteína P (gpP). As interações da gpP no trato gastrointestinal podem interferir na absorção da dabigatrana. Ye CG et al. observaram que a indometacina pode inibir a gpP, diminuindo sua expressão e/ou a inibição direta de sua atividade. 14 Assim, a coadministração com indometacina pode ter contribuído para a toxicidade da dabigatrana no nosso caso. O idarucizumabe, um fragmento de anticorpo monoclonal humanizado que se liga à dabigatrana com alta afinidade sem aumentar os eventos trombóticos, é utilizado para reverter o efeito anticoagulante da dabigatrana em pacientes com condições hemorrágicas fatais. 15 O efeito da dabigatrana pôde ser revertido com o uso do idarucizumabe no presente caso. Duas horas após a administração do idarucizumabe, verificou-se que o valor do APPT caiu de 91,4 segundos para 44 segundos. Além disso, não ocorreram complicações hemorrágicas ou trombóticas após a pericardiocentese. Conclusão Deve-se considerar derrame pleuropericárdico em pacientes com dispneia desenvolvida recentemente, em tratamento com dabigatrana. O risco de sangramentos maiores pode aumentar quando a indometacina é utilizada concomitantemente com a dabigatrana. Ao se prescrever a dabigatrana, todos os pacientes devem ser informados Figura 2 – Líquido pericárdico não coagulado vermelho-sangue. 14

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