ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Artigo Original Albuquerque et al. Polimorfismo Ser49Gly na insuficiência cardíaca Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):616-624 A avaliação da associação do PG-R β 1 com óbitos mostrou que o tipo selvagem Ser-Ser concentrou a maioria desses eventos e o alelo Gly foi consistentemente associado a um efeito protetor. A presença de cada cópia do alelo Gly foi relacionada a uma redução de 63% na chance de morte. Esse efeito protetor semantevemesmo após ajuste rigoroso para as principais variáveis utilizadas para estratificar o prognóstico em IC. Assim, em um modelo híbrido que incorporou variáveis genéticas, clínicas, laboratoriais, ecocardiográficas, de tratamento e de exame físico, o Gly-Gly permaneceu com alto valor preditivo para a menor ocorrência de óbitos. Na revisão da literatura, os resultados são diversos, mas, em sua maioria, compatíveis com o atual. São trabalhos em que não se observou a associação PG-R β 1-Ser49Gly e desfechos clínicos, 10,16,23 estudos com o mesmo padrão protetor do alelo Gly 7,17,24 e até mesmo uma publicação associando paradoxalmente o Gly a mau prognóstico na IC. 13 Em sintonia com nossos achados, os trabalhos iniciais de Borjesson et al. 7 (a primeira descrição desse PG‑R β 1‑Ser49Gly), Forleo et al. 24 e Magnusson et al. 17 destacam o perfil protetor do alelo Gly: significativamente menos óbitos nos portadores dos genótipos Ser-Gly ou Gly-Gly, inclusive após ajuste para outras variáveis. No entanto, há um trabalho indicando o oposto: o alelo Gly associado a mau prognóstico. A publicação de Wang et al. 13 descreve o PG-R β 1-Ser49Gly em uma população chinesa de 430 pacientes com IC e características basais similares às do presente trabalho. Os autores relacionaram o alelo Gly a piores desfechos ecocardiográficos e maior mortalidade. O contraste entre esses resultados pode estar relacionado a um diferente impacto genético entre as etnias. Duas evidências embasam essa teoria. Primeiro, Pereira et al. 16 identificaram, em uma população miscigenada do município de Niterói, o Ser-Ser como um fator de mau prognóstico. Esse padrão, no entanto, foi observado apenas para pacientes com cor da pele preta . Esse resultado também foi reproduzido na metanálise de Liu et al. 9 A análise de 2.979 pacientes genotipados para os PG-R1 tipo Ar389Gly e Ser49Gly identificou um padrão específico do alelo Gly389 para cada etnia: associação a maior risco de IC em pacientes asiáticos, enquanto, em brancos, associou-se à redução desse risco. Nessa mesma direção, o estudo A-HEFT descreveu uma melhor resposta à combinação nitrato e hidralazina para pacientes afro-americanos. 25 Posteriormente, McNamara et al. relacionaram esse benefício a um determinado PG da óxido nítrico sintase, mais frequente em afro-americanos em comparação a brancos. 26 Em comum, a metanálise de Liu et al. 9 e a publicação de McNamara et al. 26 destacam a variedade de efeitos clínicos entre etnias diferentes no contexto da IC. Isso reforça a necessidade de estudos específicos para o Brasil, uma vez que o comportamento desses PG para uma população reconhecidamente miscigenada é imprevisível. Esses exemplos reafirmam a influência genética na história natural da IC. De maneira abrangente, reconhecemos a resposta fisiopatológica da síndrome como resultado da ativação de sistemas hormonais. No entanto, em nível molecular, receptores beta-adrenérgicos e enzimas como a óxido nítrico sintase são alguns dos fatores importantes envolvidos no remodelamento cardíaco. A alteração funcional desses e de outros agentes em decorrência de polimorfismos genéticos pode explicar essa multiplicidade de evoluções clínicas em pacientes fenotipicamente semelhantes. O processo de resposta neuro-humoral envolve uma infinidade de elementos, cada um potencialmente sensível a mutações genéticas diversas. Assim, é provável que um painel genético englobando os principais eixos (SNS, renina‑angiotensina-aldosterona e peptídio natriurético atrial) seja mais interessante que um polimorfismo específico isolado. O primeiro passo é identificar quem são os principais marcadores genéticos para cada eixo. Com relação ao SNS e o receptor beta-adrenérgico, esse trabalho reforça o papel destacado do PG Ser49Gly. No futuro, a construção de um escore genético multissistêmico poderá se demonstrar um poderoso preditor prognóstico. Possivelmente, um escore capaz de identificar indivíduos de alto risco, mesmo no início da evolução da doença, quando muitas vezes os achados clínicos e de exames complementares ainda não estão relevantemente alterados. O número relativamente pequeno de pacientes (178) é uma limitação do estudo e pode ter influenciado nos resultados, principalmente pelo baixo número de pacientes com genótipo Gly-Gly. No entanto, o padrão de distribuição genotípica observado foi o mesmo da maioria dos estudos, e é o estudo com o maior tempo de acompanhamento com PG-R β 1 no contexto da IC. Destaca-se também que, mesmo com esse número reduzido, foi possível encontrar resultados com significância estatística. Outra limitação refere-se à coleta de dados em registros de prontuários. No entanto, como todos os indivíduos são acompanhados em clínica de IC, a padronização das rotinas de atendimento e o registro das informações, bem como o atendimento realizado por médicos dedicados ao tratamento e o acompanhamento dessa síndrome, garantiram maior qualidade nas informações obtidas. Contudo, se houvesse internação em outra instituição, não havia acesso às informações, e até mesmo o número de hospitalizações pode estar subestimado. Isso pode ter determinado a ausência de diferenças estatísticas entre os genótipos e limitado a avaliação desse desfecho clínico. Conclusão Em indivíduos com IC com fração de ejeção reduzida, a presença do PG-R β 1 Gly-Gly associou-se a melhor evolução clínica avaliada pela classe funcional da NYHA e foi preditor de menor risco de mortalidade, independentemente de outros fatores, em seguimento de 6,7 anos. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Albuquerque FN, Brandão AA, Mourilhe-Rocha R; Obtenção de dados: Albuquerque FN, Silva DA, Bittencourt MI; Análise e interpretação dos dados: Albuquerque FN, Brandão AA; Análise estatística: Albuquerque FN, Pozzan R; Obtenção de financiamento: Albuquerque FN; Redação do manuscrito: 622

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=