ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Artigo Original Mejia et al Qualidade, a nova era na cirurgia cardiovascular Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):603-612 grupo das CRM, muito provavelmente em decorrência da explosão de procedimentos percutâneos, como a angioplastia coronariana. 17 Além disso, novas evidências mudaram a prática do tratamento das doenças cardiovasculares, através dos avanços no tratamento medicamentoso 18 e da precisão na indicação dos tratamentos cirúrgicos. 19 Aqui, o papel da ciência é equilibrar e ajustar o cenário em benefício dos melhores resultados para os pacientes. A diminuição do volume das CRM foi significativa entre o 3º e 4º período (42,3%). No entanto, podemos dizer que ele parou de cair, uma vez que, entre o 4º e 5º períodos, a queda foi de apenas 6,4% (p = 0,21). Podemos observar que, mesmo que o maior volume de CRM tenha acontecido no 3º período, a taxa de mortalidade também aumentou (0,5%). Embora não tenha sido significativo, isso mostra o aumento do número de óbitos nesse período. Como descrito acima, a incorporação dos escores de risco na nossa prática aconteceu somente no início do 4º período, o que pode explicar, em parte, os resultados observados. Com isso, a queda de 42,3% no volume das CRM no 4º período penalizou, sem dúvida, a taxa de mortalidade, que alcançou 5,78% (p = 0,01). O que fica claro é que, mesmo que a diminuição do volume não tenha sido importante, no 5º período, a taxa de mortalidade caiu 2,6% (p = 0,0001). Olhando para a Figura 2, podemos identificar que a taxa de mortalidade nas CRM alcançou 1% em 2019, uma marca histórica e muito próxima dos resultados dos melhores centros do mundo. 20 O volume de Cirurgias Valvares, que vinham também num aumento progressivo, sofreu uma queda significativa no 4º período (37,6%), com aumento significativo da mortalidade (5,5%). No entanto, no 5º período, o volume cresceu 24,9% (p = 0,20) e houve queda de 6,5% na taxa de mortalidade (p = 0,0001). Como mostram os dados, isso não é explicado somente pelo aumento do volume, mas sim, pela melhoria contínua dos resultados, que alcançaram, em 2019, uma mortalidade de 2% na cirurgia da valva mitral e de 5% na cirurgia da valva aórtica. Essa última deverá continuar caindo com o aumento do encaminhamento dos casos mais graves para o implante percutâneo de Válvula Aórtica (TAVI). No grupo das cirurgias congênitas, houve também uma queda significativa do volume cirúrgico no 4º período (22,7%), o que pode ter influenciado o aumento significativo da mortalidade (6,9%). No entanto, mesmo com um aumento pouco expressivo do volume no 5º período (16,1%), a mortalidade caiu significativamente (2,5%). Isso também reflete as implementações de melhoria contínua do grupo e do departamento de cirurgia cardiovascular que, em 2019, já alcançam uma mortalidade de 7% (Figura 4). Nas cirurgias de arritmia, o 5º período foi bastante satisfatório porque, além de ter sido registrado um aumento significativo do volume cirúrgico (389,5%), houve redução da mortalidade em 1,2% (p = 0,0001). Em relação aos procedimentos isolados, que vinham apresentando aumento expressivo desde 2008, por sua vez, comparamos o 4º e 5º períodos. Desse modo, observamos que os casos de Dissecção Aguda da Aorta aumentaram 66% (p = 0,1060) e a mortalidade caiu 11,2% (p = 0,0016). Em 2019, os resultados já alcançam 11%, sendo que a mortalidade média dos melhores centros é >20%. 21 Vale ressaltar que vários protocolos foram estruturados em função do melhor momento para a abordagem cirúrgica e a padronização da técnica cirúrgica. Nas CRM + valva, o volume anual médio teve uma queda não significativa de 22,4% (p = 0,1481); no entanto, houve uma queda significativa da mortalidade (12,1%). Em 2018, a mortalidade era de 8% e, em 2019, ainda não tivemos óbitos para esse procedimento associado. Na cirurgia da valva mitral, o volume anual médio aumento foi de 34,1% (p = 0,1535), com queda na mortalidade de 6,4% (p < 0,0001). Até o primeiro período de 2019, a mortalidade já tinha alcançado 2%. Na cirurgia da valva aórtica, o volume anual médio aumentou 14,6% (p = 0,1481) e houve também queda significativa da mortalidade (6,7%). Em 2019, a mortalidade também seguiu uma tendência de queda, já tendo alcançado 5%. Na cirurgia associada da valva mitral e valva aórtica, o volume anual médio aumentou 22% (p = 0,2688) e a mortalidade caiu 11,9% (p < 0,0001). O resultado significativo na mortalidade do grupo valvar é produto também de um trabalho muito intenso para o estabelecimento de uma linha de cuidados, do ambulatório cirúrgico multidisciplinar e da padronização das técnicas cirúrgicas. Além disso, trata-se de uma população de alto risco, com 56% de pacientes reumáticos, 75% de pacientes em classe funcional III e IV e 31% de reoperações. 22 A finalidade desta análise é mostrar a evolução da cirurgia cardiovascular num dos centros com maior volume cirúrgico da América Latina, onde > 80% 23 dos pacientes são do Sistema Único de Saúde, o que o faz com que o InCor seja um hospital de referência, que trabalha de portas abertas para todo tipo de encaminhamento de pacientes e procedimentos. Certamente, a queda do volume cirúrgico no 4º período penalizou a mortalidade num cenário que ainda focava no volume cirúrgico, uma vez que há evidências de que a melhora da mortalidade, em função do volume, foi dando lugar à melhora através dos PMCQ, 24,25 inclusive em hospitais universitários, como seria o nosso caso, 26 e em diversas partes do mundo. 27,28 Dentro do pacote de medidas do PMCQ do InCor, mencionado previamente, cabe destacar a implementação do InCor Checklist . Esse projeto foi iniciado em 2014, mas foi somente a partir de 2016 que ele passou a ser obrigatoriamente realizado para todas as cirurgias. Os projetos de pesquisa dentro da área de Qualidade e Segurança favoreceram parcerias financiadas pela FAPESP, como a parceria com o Hospital de Fuwai, na China, e a parceria do REPLICCAR II com o Departamento de Saúde Pública da Universidade de Harvard (www.repliccar.com.br ). Sem dúvida, o maior desafio deverá ser a sustentabilidade e, mais ainda, a melhoria contínua dos resultados. Para atingir esse fim, estratégias que visam à diminuição da morbidade, à otimização dos processos para diminuição do tempo de internação e que foquem no aumento da experiência do paciente são necessárias. Programas como esse poderiam ser escalonados no Brasil, focando na padronização e estruturação contínua de práticas de qualidade, independentemente do volume cirúrgico. 610

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