ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Artigo Original Mejia et al Qualidade, a nova era na cirurgia cardiovascular Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):603-612 Introdução A cirurgia cardiovascular tem sofrido transformações ao longo da sua história, principalmente após a consolidação dos grandes bancos de dados. 1 Essas informações ajudaram a reduzir a mortalidade cirúrgica através da implementação de melhorias orientadas por dados. 2 Na época, essa era a realidade de poucos centros no mundo. Em 1984, foi estruturado o banco de dados do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP) com a finalidade de definir e aperfeiçoar desfechos em cirurgia cardiovascular. Dessa forma, o InCor, um dos maiores centros cardiológicos do país, dava seu primeiro passo no ciclo virtuoso da melhoria contínua dos resultados. Nessa vertente, uma análise nacional dos resultados em cirurgia cardiovascular já apontava uma mortalidade de 8% 3 (praticamente o dobro que nos melhores centros do mundo), embora os números fossem provenientes de um banco de dados administrativo. As justificativas foram inúmeras, como as dificuldades do acesso à saúde, a falta de aderência aos protocolos e as condições socioeconômicas. Na verdade, havia uma dificuldade para a identificação das fraquezas no atendimento, decorrente da falta de dados clínicos estudados. No InCor, as limitações na definição das variáveis, na completude e consistência dos dados, bem como a falta de parâmetros de referência para acompanhamento dos resultados, fizeram surgir, como tempo, uma cultura pelos dados. Tal cultura se fortaleceu após a implementação e validação do EuroSCORE I e do Parsonnet modificado. 4 Posteriormente, o InCor criou o escore InsCor, tornando-se um dos poucos centros do mundo a possuir ummodelo de risco próprio para predição, planejamento e otimização dos seus resultados. 5 Com o tempo, o InCor assumiu a liderança ao estabelecer uma parceria com a Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo para a construção do Registro Paulista de Cirurgias Cardiovasculares: o REPLICCAR. 6 Na sequência, o InCor estabeleceu a Unidade Cirúrgica de Qualidade e Segurança do Paciente, que deu lugar ao Programa de Melhoria Contínua da Qualidade (PMCQ), consolidado em 2016, com a missão inicial de reduzir a mortalidade na cirurgia cardiovascular. O objetivo deste estudo é avaliar a evolução da incidência e da mortalidade das cirurgias cardiovasculares, assim como a influência do PMCQ, em um dos centros de referência da Cardiologia no Brasil: o InCor-HCFMUSP. Métodos Amostra Estudo observacional e retrospectivo, a partir do banco de dados do InCor. Foram coletadas informações sobre o volume cirúrgico e os resultados de mortalidade cirúrgica de jan-1984/junho-2019. Para facilitar essa análise, os dados foram agrupados em 5 períodos: 1984-1989; 1990-1999; 2000-2007; 2008-2015 e 2016-2019. Dessa forma, foram avaliados o volume e a mortalidade cirúrgica do total e dos grupos com maior volume (Coronária, Valva, Congênito e Arritmias). Além disso, foi analisada isoladamente a evolução das taxas de mortalidade dos dois últimos períodos (4° e 5°) para: Cirurgia Valvar Aórtica, Cirurgia Valvar Mitral, Cirurgia Valvar Aórtica + Cirurgia Valvar Mitral, CRM+ Cirurgia Valvar (Aórtica ou Mitral) e Cirurgias na Disseção de Aorta. Coleta, definição e organização dos dados O banco de dados do InCor (o SI3) 7 é clínico e de acompanhamento de pacientes dentro e fora do hospital. O preenchimento desse registro é obrigatório e realizado pelos funcionários das diversas áreas do atendimento. Os dados são colocados on-line (http://si3/) mediante senha e usuário personalizados. A completude e veracidade dos dados foram validadas pela Unidade de Informações Médicas Hospitalares, pela Gerência Operacional de Programas de Assistência e pela Unidade Cirúrgica de Qualidade e Segurança dos Pacientes do InCor. Os dados da primeira publicação, “Evolução da Cirurgia Cardiovascular no Instituto do Coração: Análise de 71.305 Operações”, foram recuperados e analisados em conjunto. 8 Amortalidade cirúrgica foi definida como aquela que acontece até 30 dias após o procedimento principal, independente do paciente permanecer ou não internado. Critérios de Inclusão Todos os procedimentos cardiovasculares realizados no InCor entre janeiro de 1984 e junho de 2019. Critérios de Exclusão Para a análise por tipo de procedimentos foram excluídos os procedimentos realizados na modalidade de emergência ou de salvamento. PMCQ Comvistas à nova era dos resultados emcirurgia cardiovascular, a nova gestão do InCor, liderada pelo Prof. Fábio Jatene, criou, dentro daDivisão de Cirurgia Cardiovascular do InCor, aUnidade Cirúrgica de Qualidade e Segurança do Paciente Cirúrgico (UCQSP). Essa unidade tempor finalidade apoiar a construção da cultura de segurança, promovendo transparência, padronizando treinamentos, melhorando o trabalho das equipes emonitorando o desempenho. Para convergir essas e outras atividades, aUCQSP estabeleceu o PMCQ em Cirurgia Cardiovascular. 9 Para atingir esse objetivo, foi fundamental o alinhamento com o Serviço de Informática e a Unidade de informações médicas hospitalares do InCor, a fim de monitorar e acompanhar as implementações. Assim, o pacote de medidas iniciais do PMCQ foi: 1) estabelecimento de metas anuais de volume e resultados cirúrgicos; 2) apresentação pública e mensal dos resultados; 3) implantação do Checklist cirúrgico e sua propagação para 100% das cirurgias; 4) estabelecimento dos ambulatórios clínico-cirúrgicos para todos os grupos; 5) monitorização da aderência aos protocolos perioperatórios estabelecidos; 6) abordagem multidisciplinar para todas as cirurgias e/ou pacientes de alto risco; 604

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