ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Posicionamento Posicionamento Luso-Brasileiro de Emergências Hipertensivas – 2020 Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4)736-751 2. Aspectos Fisiopatológicos da Emergência Hipertensiva A fisiopatogenia da EH não é completamente elucidada. De forma geral, dois mecanismos diferentes podem desempenhar papéis centrais em sua fisiopatogênese. O primeiro é o desequilíbrio no sistema de autorregulação do leito vascular, que cursa com redução da pressão de perfusão, com consequente diminuição do fluxo sanguíneo e aumento da resistência vascular, originando estresse mecânico e lesão endotelial. 13 O segundo mecanismo é a ativação do sistema renina-angiotensina, levando a uma maior vasoconstrição, produzindo um ciclo vicioso de lesão endotelial, necrose fibrinoide de arteríolas e subsequente isquemia. 14 A lesão vascular provoca deposição de plaquetas e fibrina, caracterizando também o estado protrombótico. 15 Posterior isquemia resultante estimula a liberação de mais substâncias vasoativas, criando um círculo vicioso. 2.1. Autorregulação do Fluxo Sanguíneo Cerebral O conhecimento do mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo para os órgãos-alvo (fluxo cerebral, coronariano e renal) é vital para uma melhor conduta anti-hipertensiva nos casos de EH. A autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é mantida pela relação entre pressão de perfusão Tabela 1 – Situações que cursam com lesões em órgãos-alvo caracterizando emergências hipertensivas 1-5 Hipertensão grave associada a complicações agudas Eventos cerebrovasculares - Encefalopatia hipertensiva - Hemorragia intracerebral - Hemorragia subaracnoide - AVC isquêmico Eventos cardiocirculatórios - Dissecção aguda de aorta - Edema agudo de pulmão com insuficiência ventricular esquerda - Infarto agudo do miocárdio - Angina instável Doença renal - Insuficiência renal rapidamente progressiva Crises adrenérgicas graves - Crise do feocromocitoma - Superdosagem de drogas ilícitas (cocaína, crack , LSD) Hipertensão na gestação - Eclâmpsia - Pré-eclâmpsia grave - Síndrome “HELLP” - Hipertensão grave em final de gestação HELLP: hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia; AVC: acidente vascular cerebral; LSD: dietilamida do ácido lisérgico. Tabela 2 – Situações que cursam com urgências hipertensivas 1-5 Hipertensão grave associada a: - Insuficiência coronariana - Insuficiência cardíaca - Aneurisma de aorta - Acidente vascular cerebral não complicado - Epistaxe grave - Queimaduras extensas - Estados de hipocoagulabilidade Vasculites sistêmicas - Peri-operatório - Pré-operatório em cirurgias de urgência - Intraoperatório (cirurgias cardíacas, vasculares, neurocirurgias, feocromocitoma etc.) - Hipertensão estágio III no pós-operatório (transplante de órgão, cirurgias cardíacas, vasculares, neurocirurgias etc.) Crises adrenérgicas leves/moderadas - Síndrome do rebote (suspensão súbita de inibidores adrenérgicos) - Interação medicamentoso-alimentar (tiramina vs. inibidores da MAO) - Consumo excessivo de estimulantes (anfetaminas, tricíclicos etc.) Na gestação - Pré-eclâmpsia - Hipertensão estágio III MAO: monoaminoxidase. cerebral (PPC) e resistência cerebrovascular (RCV), isto é, FSC = PPC/RCV (PPC = pressão arterial média − pressão venosa média). PPC é a diferença entre a PA, que ajuda na irrigação dos tecidos, e a pressão venosa. Sob PPC normal, a pressão venosa não é importante, de modo que a PPC é equivalente à PA. Reduções na PPC podem ser causadas por reduções na PA ou aumento da pressão intracraniana (PIC), o que aumenta a pressão venosa. Elevações na PIC podem ocorrer como resultado de doença oclusiva arterial ou venosa ou hemorragia intracerebral. Em indivíduos normotensos, uma ampla variação na PA (entre 60 e 150 mmHg) pode ocorrer sem alterar o FSC. Um aumento na PPC (ou PA) provoca elevação na RCV, protegendo assim o paciente contra o edema cerebral, e reduções na PPC causam queda na RCV, protegendo assim o paciente da isquemia tecidual. Quando a PPC exceder o limite superior de autorregulação, o FSC aumentará causando edema cerebral. Por outro lado, quando a PPC decair abaixo do limite inferior de autorregulação, o FSC diminuirá causando isquemia cerebral. 16,17 Em indivíduos hipertensos, essa relação é alterada de tal forma que o limite inferior de autorregulação é maior do que em indivíduos normotensos. Portanto, diminuições inadequadas na PPC podem dificultar a irrigação tecidual e, consequentemente, agravar a área isquêmica viável. Por essa razão, é aconselhável reduzir, inicialmente, a pressão média em 20 a 25% em relação aos valores iniciais, pois 739

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