ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Ponto de Vista Ferreira et al. Tendências de busca por anticoagulantes e AVC Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):726-729 Um estudo de Kritz et al., 7 mostrou que os médicos utilizam frequentemente sistemas gerais de busca para obterem conhecimento médico na prática diária, principalmente pela falta de tempo para uma pesquisa mais ampla. 7 Além disso, alguns países utilizam sistemas de busca como ferramentas de pesquisa epidemiológica para uma variedade de doenças, o que poderia ter implicações nas políticas públicas de saúde. Na França, o Sentinel Network é um sistema público de monitoramento de saúde pública em que médicos clínicos gerais utilizam dados baseados em rede para acompanharem padrões de doenças e potencialmente identificarem surtos em estágio inicial. 8 Apesar de escores de popularidade não necessariamente refletirem os padrões de prescrição de medicamentos, estudos anteriores incluindo uma ampla variedade de medicamentos sugeriram que uma associação de fato existe. Essa associação foi demonstrada com estatinas e vários medicamentos não cardiovasculares. 9,10 Um estudo de Lippi et al., 6 também apontou um aumento no volume de busca online por AODs, o que condiz com o rápido aumento na prática clínica. Tendências de busca na Internet para anticoagulantes orais e AVC Apesar do aumento progressivo no número de publicações nessa área, a associação entre padrões específicos de busca de tratamento e variações subsequentes nos eventos clínicos populacionais necessita ainda ser demonstrada. Se uma relação realmente existe, os dados de busca poderiam funcionar como um substituto para efeitos em grande escala de um dado tratamento farmacológico ou intervenção em relação a desfechos clínicos específicos. A influência de anticoagulantes orais na epidemiologia de mortes relacionadas a AVC serve como um exemplo adequado nesse cenário, considerando que a maioria dos eventos cerebrovasculares isquêmicos são cardioembólicos e prevenidos por anticoagulantes orais. Hernandez et al., 11 correlacionaram a variação geográfica no uso de anticoagulantes e as taxas de AVC em usuários do Medicare, demonstrando uma relação inversa entre as duas variáveis. 11 Segundo o departamento de tecnologia da informação do Sistema Único de Saúde (DATASUS), o número total de mortes relacionadas a AVC no Brasil diminuiu de 2006 a 2015, apesar que a redução mais significativa tenha ocorrido após 2011. 12 Além disso, AVC isquêmico e os casos de AVC sem classificação específica (ICD-10 códigos I63 e I64) foram a maioria dos eventos cerebrovasculares (70.2%), e apresentaram um padrão similar de declínio após 2011 (média de 49 406,4 ± 451 vs. 46447,2 ± 1633 de óbitos por ano antes e após 2011, respectivamente). Por outro lado, mortes por AVC hemorrágico (ICD-10 códigos I60, I61 e I62) aumentaram no mesmo período, apesar que em uma proporção bem menor (média de 19 740,4 ± 278 vs. 20 933.8 ± 446 de óbitos por ano antes e após 2011, respectivamente). 13 Durante o mesmo período, quando varfarina, dabigatrana e rivaroxabana foram usadas como tópicos de busca, e o Brasil como a única região de busca, observou-se um franco declínio nos escores do Google Trands para varfarina após 2011. Em 2015, o valor de popularidade havia atingido aproximadamente o mesmo nível que em 2009. Por outro lado, o score para rivaroxabana aumentou consideravelmente após 2011, e ultrapassou a popularidade da varfarina após 2013. O escore de busca para dabigarana permaneceu consistentemente abaixo dos outros dois anticoagulantes por todo o período de tempo analisado. Deve-se ressaltar que, quando um tópico (ou seja, “medicamento”) é usado como opção de busca, os termos associados ao medicamento, incluindo nomes comerciais, também são contemplados. Quando as mortes relacionadas a AVC e escores de busca são analisados em combinação, parece existir uma correlação inversa com AVC isquêmico e uma associação positiva com eventos hemorrágicos. Entre 2011 e 2015, mortalidade total e por AVC isquêmico diminuiu (Figura 1), ao passo que eventos hemorrágicos aumentaram (Figura 2) concomitantemente ao aumento dos escores do Google Trends para AODs. Mais importante, essa relação parece ter sido primariamente causada por um aumento da popularidade da rivaroxabana. Uma vez que tem ocorrido um aumento progressivo na prescrição de anticoagulantes orais na prática clínica, além de um aumento na popularidade dos AODs na Internet em todo o mundo, modificações na incidência de eventos cerebrovasculares isquêmicos e hemorrágicos podem ser antecipadas. 1,6 No Brasil, tal impacto também seria esperado, já que desde 2015 a rivaroxabana já era a droga de maior receita de venda no mercado nacional, apenas quatro anos após ter se tornado disponível ao público. 14 Em apenas dois anos, a rivaroxabana ultrapassou a varfarina em volume de busca na Internet na maior parte do país. Esses achados provavelmente se devem a um aumento no uso de AODs, em vez de uma transição entre categorias de anticoagulantes. Os AODs tornaram-se opções atrativas quando a prevenção de AVC é considerada em FA, principalmente devido à sua farmacocinética previsível, provavelmente maior segurança e eficácia não inferior à de antagonistas da vitamina K. Ao contrário do que foi encontrado em relação a AVC isquêmico, mortes relacionadas a AVC hemorrágico aparentemente aumentaram desde 2011. Apesar de tal aumento haver ocorrido em uma taxa mais lenta, a tendência parece também estar relacionada aos padrões de busca por rivaroxabana. Talvez essa tendência tenha sido consequente ao grande número de pacientes sem tratamento prévio que progressivamente receberam anticoagulantes, já que os AODs tendem a reduzir sangramento intracraniano em comparação à varfarina. A maior utilização do escore CHA 2 DS 2 -Vasc Score também pode ter contribuído para o aumento no número de pacientes recebendo terapia anticoagulante durante o período de estudo. 1 Além disso, considerando que a mortalidade total por AVC diminuiu significativamente, o padrão epidemiológico é comparável ao benefício líquido dos AODs descrito em muitos ensaios. 4 A possibilidade de que outros fatores, tais como políticas de saúde pública, maior controle dos fatores de risco cardiovascular, e melhores condições socioeconômicas, possa ter influenciado o número anual de mortes não pode ser excluída. Contudo, uma redução nas mortes relacionadas a AVC hemorrágico também já seria esperada como resultado 727

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