ABC | Volume 114, Nº4, Abril 2020

Artigo de Revisão Marques et al. Inteligência Artificial em Cardiologia Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):718-725 computação nesta revolução atualmente em andamento. Essa revolução trará possibilidades inimagináveis na prática médica, como a construção de phenomappings de qualidade – modelos de ML desenvolvidos com o objetivo de agrupar pacientes em função de sua grande massa de características fenotípicas, a fim de facilitar o processo de tomada de decisão. 57 Assim, é necessário que essas competências sejam estimuladas precocemente, principalmente com foco na solução de problemas relacionados à realidade para a qual se deseja promover melhorias. Isso certamente se refletirá na necessidade de reformular o conteúdo cardiovascular (e por que não dizer, o conteúdo médico em geral) dos cursos de graduação e pós-graduação em Medicina: uma educação passiva ou meramente expositiva, com uma carga extensa e priorizando a capacidade de memória do aluno, parece cada vez mais inadequada, pois se percebe que a Medicina deve ser um espaço de criatividade e geração de valor. c) Desafio 3 – obtenha dados saudáveis: o uso de dados saudáveis é de valor fundamental para o sucesso dos algoritmos. Assim, é necessário que as unidades de saúde incentivem seus profissionais de saúde a respeito do rigor no nível de preenchimento/obtenção de dados, bem como a manutenção de qualquer fonte de dados, de formulários, prontuários eletrônicos, dados de imagem ou mesmo dados não convencionais, como os obtidos por Medina et al. 58 – que desenvolveram uma ferramenta de saúde de redes sociais online ( Online Social Networks Health ) bem-sucedida, na qual o próprio paciente insere anonimamente informações de monitoramento de saúde, incluindo dados fisiológicos, atividades diárias, estados emocionais e interação com outros pacientes. 58 Portanto, o gerenciamento de dados se torna tão importante quanto outros comportamentos de rotina na medicina baseada em evidências, como lavagem adequada das mãos ou até o uso de um desfibrilador durante uma parada cardíaca. Dessa maneira, a formação de equipes de dados multidisciplinares e o treinamento constante das equipes assumem um papel primordial. Vale ressaltar que grande parte da lentidão e dificuldade que algumas unidades de saúde têm no uso de modelos de ML está ligada a dados saudáveis ausentes ou incipientes. d) Desafio 4 – obtenha segurança: o advento dessas ferramentas traz consigo uma preocupação fundamental com a segurança dos dados, a um nível nunca experimentado, pois o acesso a esses dados por pessoas não autorizadas pode levar a consequências catastróficas para as instituições de saúde e para os pacientes. A criação de uma equipe de segurança desempenha um papel importante nesse novo processo. O Regulamento Geral de Proteção de Dados ( General Data Protection Regulation ) representa um avanço nessa direção. Blockchain e suas variantes são ferramentas importantes que podem melhorar substancialmente a segurança. e) Desafio 5 – necessidade de colaboração (o provérbio Africano): há um provérbio africano que diz: “ se você quer ir rápido, vá sozinho, mas se quiser ir longe, vá com muitos ”. Isso se aplica muito a esse ambiente de dados: a colaboração entre instituições permite a construção de enormes bancos de dados saudáveis ( Big Data ), o que tende a favorecer o desempenho dos algoritmos de ML. f) Desafio 6 – lidando com erros: Uma questão importante diz respeito aos erros dos modelos de IA. É inadequado acreditar que esses modelos estão livres de erros. Por exemplo, pode ser o resultado de sobreajuste ou da ocorrência de dados não íntegros – que tornam os resultados não confiáveis. No entanto, a prática mostrou alto desempenho em várias aplicações. Esses modelos são probabilísticos e é sempre desejável que seus erros sejam mínimos. Esse cenário tem implicações clínicas, por exemplo, um modelo de IA que prevê com 99% de probabilidade que um paciente tem maior propensão do que a população em geral a ter miocardite cardíaca ou amiloidose. Há uma probabilidade, embora pequena, de que isso não ocorra e de que o procedimento adotado pelo cardiologista seja inadequado. Nesse caso, a questão é quem pode ser responsabilizado nesses casos? É apropriado? O paciente deve assinar um termo de consentimento nesses casos? Certamente, a solução inclui uma regulamentação robusta do uso dessas ferramentas e o fortalecimento de um novo tipo de relacionamento: médico-paciente-dados. g) Desafio 7 – gestão de cuidados baseados em dados: enquanto as ferramentas de ML seguem um caminho inexorável, por outro lado, vários profissionais de saúde continuam com medo dessas ferramentas devido a sua possível capacidade de substituir os médicos em suas tarefas. Entretanto, quando a história da Medicina é lembrada, vale ressaltar, por exemplo, que o aparecimento de máquinas automatizadas para realizar o hemograma não substituiu o hematologista, mas resultou em uma maior velocidade do processo de trabalho e permitiu ao profissional atuar em outras questões importantes da especialidade. A ideia central é fornecer melhor suporte para a tomada de decisão, incluindo melhor desempenho. Trata-se da gestão assistencial baseada em dados, com alto dinamismo e atualização constante – o que promoverá maior personalização do cuidado 59 e avaliação em tempo real da experiência dos usuários do sistema de saúde, visando gerar valor para o paciente. Nesse contexto, as tarefas mecânicas serão substituíveis e uma diversidade de novas tarefas será incluída na rotina do cardiologista de precisão, desde a construção adequada das bases de dados até a reflexão crítica sobre os resultados obtidos pelos modelos matemático-computacionais, bem como o desenvolvimento de um relacionamento médico-paciente-dados adequado. Portanto, há uma migração de habilidades humanas, bem como a expansão de suas capacidades a partir do surgimento de novas ferramentas, que devem fazer parte do arsenal técnico do cardiologista do século XXI. Esse panorama nos permite comparar os modelos de ML a um cavalo e os médicos a jóqueis: “ quem corre é o cavalo, você precisa ser o jóquei ”. Conclusões A IA, de fato, tem se mostrado uma ferramenta fundamental para a prática clínica da cardiologia atual. Diversas aplicações foram realizadas com sucesso e permitiram melhorias significativas do ponto de vista diagnóstico e terapêutico e em relação ao atendimento personalizado. Para poder utilizar tais ferramentas, é imperativo que dados saudáveis sejamutilizados, o que certamente implica um novo design no modus operandi de muitos serviços de saúde. A natureza desses dados é variada e inclui novas fontes, como dispositivos “vestíveis” e dados 723

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