ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Artigo Original Almeida et al. Remodelamento do ventrículo esquerdo na atenção primária Arq Bras Cardiol. 2020; 114(1):59-65 Introdução O remodelamento ventricular é um processo contínuo de respostas às várias lesões no miocárdio. Alterações na geometria do ventrículo esquerdo (VE), em seus vários padrões, estão relacionadas à incidência de resultados cardiovasculares não fatais e mortalidade a longo prazo, que são marcadores bem conhecidos de mau prognóstico em várias doenças cardiovasculares e sistêmicas. 1-6 Alterações na geometria ventricular são consideradas lesões de órgãos-alvo no coração e classificam os indivíduos com essas lesões como estando no estágio B de insuficiência cardíaca (IC), conforme proposto pela American College of Cardiology Foundation e a American Heart Association (ACCF/AHA). 7 Os mecanismos fisiopatológicos do remodelamento ventricular variam de acordo com a etiologia determinante. As doenças que levam à sobrecarga de pressão com aumento do estresse na parede sistólica, ativação gênica ou lesão direta do miocárdio, seguida por proliferação celular, fibrose, deposição de colágeno, apoptose e remodelamento da geometria ventricular. As condições que ocorrem com a sobrecarga de volume levam ao aumento do estresse da parede diastólica com alongamento linear dos cardiomiócitos, proliferação paralela e aumento dos diâmetros das cavidades. 8 Os dados epidemiológicos sobre a prevalência e incidência de alterações na geometria ventricular na população atendida na atenção primária são escassos e o conhecimento de diferentes padrões de remodelamento pode auxiliar na implementação de estratégias de estratificação de risco nessa população. O objetivo deste estudo foi descrever os padrões geométricos do VE na população com idade ≥ 45 anos atendida na atenção primária e examinar a associação entre remodelamento ventricular e variáveis demográficas e clínicas. Métodos Este estudo faz parte do estudo Digitalis, que teve como objetivo determinar a prevalência de IC na população estudada. 9 Procedimentos para seleção aleatória de amostras e inclusão de pacientes Foram selecionadas 26 unidades de atenção básica na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, entre julho de 2011 e dezembro de 2012. A seleção das unidades foi realizada por um programa de sequência aleatória gerada por computador, no qual o peso de cada unidade era proporcional ao número de indivíduos assistidos. Em cada unidade, 50 indivíduos foram selecionados aleatoriamente, incluindo 30 indivíduos para participação e 20 para reposição em caso de resposta negativa. A população total selecionada foi de 1050. Novecentos e quarenta e dois indivíduos confirmaram a presença e 666 indivíduos compareceram à visita agendada. Os critérios de inclusão foram idade entre 45 e 99 anos e consentimento informado. Foram excluídos cinco indivíduos que não preencheramo questionário, 6 não realizaramo ecocardiograma com Doppler tecidual (EDT) e 20 não realizaram a medida do peptídeo natriurético tipo B (BNP). Ao final do estudo, 636 pacientes preencheram os requisitos necessários: questionário estruturado, exame físico, dados antropométricos, BNP, eletrocardiograma (ECG) em repouso e EDT. Definições Todos os indivíduos selecionados para o estudo foram submetidos a uma avaliação realizada em um único dia e composta pelos seguintes elementos: avaliação clínica, exames laboratoriais, incluindo níveis de BNP, ECG e EDT. Os testes EDT foram realizados de acordo com as recomendações para a quantificação de câmaras da American Society of Echocardiography e da European Association of Echocardiography . (LANG, 2015). A indexação foi realizada por área de superfície corporal. A massa ventricular esquerda (MVE) foi estimada por Devereux et al. (DEVEREUX, 1986) e a espessura relativa da parede (RWT) pela fórmula em que a RWT é igual ao dobro da parede posterior diastólica dividida pelo diâmetro do VE. Valores de RWT ≥ 0,42 e VE indexado ≥ 115 g/m² para homens e ≥ 95 g/m² para mulheres foram considerados anormais. Os indivíduos foram agrupados em quatro modelos de remodelamento: geometria normal, remodelamento concêntrico, hipertrofia concêntrica e hipertrofia excêntrica, de acordo com as Diretrizes da Sociedade Americana de Ecocardiografia. 10 Os pacientes foram classificados em estágios de doença renal crônica (DRC) de acordo com a taxa estimada de filtração glomerular (eTFG), calculada pela fórmula KDIGO (Doença renal: melhorando os resultados globais). Estágio 1: eTFG > 90 mL/min; estágio 2: eTFG 60-89 mL/min; estágio 3: eTFG 30-59 mL/min; estágio 4: eTFG 15–29 mL/min; e estágio 5: eTFG < 15 mL/min. Indivíduos com IMC ≥ 30 kg/m 2 foram considerados obesos. Pacientes diabéticos foram definidos pela história prévia de diabetes. O estudo classificou como hipertensos aqueles que referiram ser hipertensos, usavammedicamentos para tratar hipertensão ou apresentavam pressão arterial sistólica média (PAS) ≥ 140 mmHg ou pressão arterial diastólica média (PAD) ≥ 90 mmHg. Análise estatística A análise estatística foi realizada com o programa SPSS v 21.0 (Chicago, Illinois, EUA). As variáveis contínuas foram expressas emmediana e intervalo interquartil (50% (25-75%)). As variáveis categóricas foram expressas em números absolutos e/ou porcentagens. Para comparação entre os grupos, foi utilizado o teste do qui-quadrado. Todas as variáveis contínuas foram testadas quanto à normalidade com o teste Shapiro‑Wilk com teste pos-hoc e para todas elas foi rejeitada a Ho (hipótese nula) de igualdade, ou seja, nenhuma delas apresentava distribuição normal. Nessa medida, a diferença entre essas variáveis e os fenótipos foi testada com o teste de Kruskall-Wallis. Estimamos razões de chance brutas e ajustadas por regressão logística. Em todas as comparações, foram utilizados testes bilaterais e valores de p < 5% foram considerados estatisticamente significativos. Resultados O estudo avaliou 636 indivíduos de 59,5 ± 10,3 anos (62% mulheres, 63% não brancos). Os indivíduos foram classificados de acordo com a geometria do VE: geometria normal em 423 (67%); hipertrofia excêntrica em 186 (29%); hipertrofia concêntrica em 14 (2%); e remodelamento concêntrico em 60

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